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Reinaldo Azevedo

Para Gilmar, Fachin foi ludibriado e corre o risco de manchar o próprio nome e o do Supremo

Reinaldo Azevedo

13/09/2017 06h30

O pleno do Supremo decide nesta quarta se Rodrigo Janot, procurador-geral da República, deve ou não ser declarado impedido de atuar em questões que digam respeito ao presidente Michel Temer. É pouco provável que se forme uma maioria contra ele. Não porque o tribunal esteja satisfeito com a sua atuação. É que se vai tentar evitar o vexame. O debate, no entanto, promete. Afinal, todos já sabem, a esta altura, que a delação de Joesley Batista e seus bravos não passou de uma tramoia urdida na PGR, com todas as características de um golpe de Estado.

Durante o julgamento, nesta terça, de um caso na Segunda Turma envolvendo o petrolão, o ministro Gilmar Mendes fez um duro pronunciamento, que expõe a degradação a que Rodrigo Janot submeteu o Ministério Público Federal como um todo e a Procuradoria-Geral da República em particular. Mais: é o próprio estatuto da delação premiada, que poderia ser uma arma no combate à corrupção, que está hoje sob suspeição. Mendes foi de uma contundência inédita e disse com todas as letras que não há como Edson Fachin, o relator da Lava Jato, não se ver diante de drama de consciência. Fachin deu a entender que não sente nenhum constrangimento, o que é, dado o conjunto da obra, preocupante.

Vamos lá. A Segunda Turma — composta, ainda, por Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Dias Toffoli — decidia se receberia ou não a denúncia contra o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE) e o ex-executivo da Petrobras Djalma Rodrigues de Souza pela prática de crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Fachin aceitou parcialmente a denúncia, Toffoli a rejeitou na íntegra, e Lewandowski pediu vista. Volto ao caso ao fim do post para destacar uma indignidade adicional. Passo agora a tratar da fala de Mendes.

O ministro se referiu aos descalabros que vieram a público envolvendo as delações premiadas dos executivos da J&F e às evidências de que a própria PGR fraudou o estatuto da delação premiada uma vez que pululam fatos a indicar que Marcelo Miller, então procurador e braço-direito de Janot, participou do que pode ser considerado uma armação, uma tramoia ilegal, que quase depôs o presidente da República. Assistam ao vídeo com a fala de Mendes. Volto em seguida.

https://www.youtube.com/watch?v=oJ9qZP6FRUY&feature=youtu.be

Afirmou Mendes:
"Os casos que agora estão sobre a mesa são altamente constrangedores. O que está saindo na imprensa e o que sairá nos próximos dias, meses, certamente vai corar frade de pedra. Já se fala abertamente que a delação de Delcídio [do Amaral] foi escrita por Marcello Miller. Portanto, era um agente que atuava com esse sentido. Agora já se sabe que ele atuou na Procuradoria da República. Sabe-se lá o que ele fez aqui também. Portanto, nós estamos numa situação delicadíssima. O STF está enfrentando, talvez, e eu vou falar disso amanhã, um quadro de vexame institucional".

E Mendes evocou, então, a memória de Teori Zavascki, o antigo relator do petrolão, morto num acidente aéreo:
"Certamente, no lugar onde está, o ministro Teori está rezando por nós, dizendo: 'Deus me poupou desse vexame'. Nós estamos vivenciando um grande vexame, o maior que já vi na história do tribunal".

E Mendes não economizou. Chamou Fachin às falas. O atual relator tem se comportado como mero despachante das loucuras de Janot e do Ministério Público Federal. O ministro, então, mandou ver:
"Vossa excelência teve de referendar isso. E reforço minha tese de que isso deveria ser uma decisão do colegiado. E veja que nós discutimos no plenário, Vossa Excelência há de se lembrar, uma tese que transformava isso numa garantia de eternidade. Não se podia mexer no acordo. Imaginem se nós tivéssemos chancelado isso. (…)"

Referindo-se à forma como a PGR e o MPF tentam conduzir os casos, afirmou Mendes:
"Essa manipulação é horrorosa. Ela e nojenta. Ela é repugnante. Eu, que fui da Procuradoria Geral da República e que lá entrei em 1984… Ver o estado de putrefação, de degradação dessa instituição… Me constrange. Nós já não somos tão ricos em instituições fortes e independentes. Não se pode fazer isso com as instituições. Nesse caso, ministro Fachin, eu imagino seu drama pessoal. Eu imagino. Eu consigo avaliar. Ter sido ludibriado por Miller 'et caterva' e ter tido o dever de homologar isso… Deve lhe impor um constrangimento pessoal muito grande nesse episódio da JBS. Nós precisamos ter muito cuidado na base. Isso exige um escrutínio muito severo das próprias delações. (…)  Não invejo a sua situação (…). Também não invejo seus dramas pessoais, internos, que certamente deve haver. Certamente,  poucas pessoas, ao longo da história do STF, se viram confrontadas com desafios tão ingentes, tão imensos, grandiosos. E tão poucas pessoas na história do STF correm o risco de ver o seu nome e o da própria Corte conspurcados por decisões que depois venham a se revelar equivocadas".

Fachin tentou dar uma de desentendido:
"Eu reitero o voto que proferi com base naquilo que entendo que é a prova dos autos. E por isso agradeço a preocupação de vossa excelência, mas parece-me que, pelo menos ao meu ver, julgar de acordo com a prova dos autos não deve constranger a ninguém, muito menos um ministro da Suprema Corte. Também agradeço a preocupação de vossa excelência e digo que a minha alma está em paz".

Eis aí. Temos apenas um aperitivo do que nos aguarda nesta quarta-feira.

O caso em si
Aliás, o caso julgado nesta terça mostra que Fachin pode não ter aprendido nada. Atenção, não há contra os acusados nada além das delações. O voto de Fachin (íntegra aqui) evidencia isso. Mesmo assim, o ministro houve por bem votar a favor do recebimento da denúncia. Coube ao ministro Dias Toffoli (voto aqui) lembrar o óbvio: a acusação se baseia unicamente em depoimentos de colaboradores e anotações particulares apresentadas pelo empreiteiro Ricardo Pessoa. "Não vejo probabilidade de esta denúncia futuramente surtir qualquer tipo de sucesso".

Eis aí, meus caros! É um escárnio que uma delação, desacompanhada de qualquer outro elemento probatório, sirva para transformar alguém em réu. Infelizmente, Edson Fachin, o relator, tem atuado como mero contínuo das decisões de Janot. E, como sabemos, ele disse não se sentir constrangido.

Pior para o país.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.