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Reinaldo Azevedo

“IstoÉ” traz diálogos de procuradores a evidenciar o terror imposto por Janot no MPF

Reinaldo Azevedo

16/06/2017 00h17

 

Reportagem de Débora Bergamasco, publicada na mais recente edição da revista IstoÉ, evidencia uma situação da máxima gravidade. Rodrigo Janot, que vem acumulando ações as mais heterodoxas, impôs um clima de terror na Procuradoria Geral da República.

Inicialmente, no que concerne ao MPF, ele estava ocupado em duas coisas: a) conquistar um terceiro mandato; b) como consequência, impedir a ascensão ao posto de Raquel Dodge, que toma como inimiga. O prazo para se inscrever na eleição promovida pela ANPR (Associação Nacional dos Procuradores na República), que define a lista tríplice, já se esgotou. O Poderoso Chefão do MP não viu condições de concorrer. Agora, segundo revela a reportagem, seu empenho é para calcinar o nome de Raquel.

A reportagem traz gravações de duas conversas entre os procuradores Caroline Maciel, do Rio Grande do Norte, e Angelo Goulart, que estava lotado no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Abaixo, vocês podem ouvir os diálogos. Coisas muito graves estão sendo ditas ali. E outras coisas gravíssimas aconteceram depois.

Caroline afirme ter ouvido que Goulart é partidário da candidatura de Raquel e que isso o teria colocado na mira da Janot, que estaria, então, empenhado em se vingar. A conversa se deu no dia 11 de maio. Uma semana depois, no dia 18, Goulart foi preso, acusado de receber propina para passar informações privilegiadas a Joesley Batista. Transcrevo um trecho do papo. Na sequência, um arquivo de Youtube. Retorno em seguida.

Caroline Maciel – Eu soube da informação que (Rodrigo) Janot está pensando em ficar, em tentar permanecer, e quer destruir todo mundo nos arredores. A conversa que rola é que você estaria ajudando Raquel (Dodge, candidata à PGR e opositora de Rodrigo Janot).
Goulart – Eu?
Caroline Maciel – Estou te avisando porque parece que a guerra está num nível que eu não consigo nem imaginar porque eu não sou desse tipo de coisa.
Goulart – Mas de onde apareceu isso, gente? Nem contato com a Raquel eu tenho!
Caroline Maciel – Inclusive, pelo que eu senti, a tática de Janot é apavorar quem estiver do lado de Raquel. Claro que tem gente que nem liga. Mas tem gente que…
Caroline Maciel – Parece que o negócio tá…
Goulart – Incoerente. Ontem ele (Janot) pediu um favor para ver um negócio no TSE para ele (Goulart atuava na vice-procuradoria-geral eleitoral, com uma mesa de trabalho no TSE inclusive).

Ouça as conversas. O post continua na sequência

https://www.youtube.com/watch?v=dFDsL7FAIpM&feature=youtu.be

Retomo
A conversa foi interceptada no curso das investigações. Por quê? Muito provavelmente porque Goulart passou a ser um investigado.  Seu telefone deveria estar grampeado. A coisa é da máxima gravidade. Como se sabe, naquela conversa malandra que manteve com o presidente da República — cujo uso, por Janot e Edson Fachin, é ilegal —, Joesley afirma ter bolso, literalmente, um procurador e dois juízes. Depois recuou. Teria dito ser bravata. Mas teve tempo de refazer sua versão e acusou Goulart. Os tais dois juízes sumiram de sua narrativa.

Bem, não serei eu aqui a gritar: "Ah, Goulart é inocente!" Não sei se é. Mas uma coisa é certa: resta evidente que ele estava na mira de Janot e seus operadores, não? Ou a coisa não teria chegado a Caroline, sua amiga.

Há outras estripulias muito sérias. No trecho abaixo, Caroline afirma que o senador José Agripino (DEM-RN) também está na mira. Razão? Suposto apoio a Raquel Dodge. Leiam.

Goulart – Olha, na boa, Carol, eu estou cagando e andando para isso. Eu tenho consciência do que eu faço. Então, quer achar? Acha. Não fiz nada demais, nada demais.
Caroline Maciel – É o seguinte. O Rodrigo
(Rodrigo Telles de Souza, outro procurador da Lava Jato no STF) está muito preocupado porque ouviu (…) ele disse que se fala lá nessa história de (senador) José Agripino (DEM-RN) ter prometido apoio a Raquel. E querem de alguma forma, agora, querem lascar José Agripino (Agripino responde a inquérito no STF e teve seus sigilos quebrados em apuração sobre suspeita de propina paga a ele pela OAS).
Goulart – Então, tô nem aí.
Caroline Maciel – Agora, Rodrigo (Teles), coitado, acho que estão fazendo aquela tática tipo assim: "Raquel vai destruir todo mundo", sabe? Aí Rodrigo é um que está apavorado. "É, estou com medo de acontecer alguma coisa, agora Janot vai partir pra cima e não sei o quê…" Eu disse: Meu Deus do céu, ele tá apavorado, senti que ele está apavorado. Porque Rodrigo (Teles), coitado, ele não é ligado a ninguém.
Goulart – Mas isso aí… O que ele vai poder prejudicar? Vai prejudicar em que, cara?
Caroline Maciel – Não sei, sei lá. Enfim, fico apavorada com esses negócios. Mas estamos lá: seu santo nome em vão no meio e o meu também
.

Reitero: não sei se Goulart é inocente ou culpado. Isso, convenham, cabe à Justiça definir. O que parece evidente na conversa é a sua despreocupação e, quem sabe, até alguns laivos de irritação com a colega, que insiste no tema. Notem que ele nem tenta saber que tipo de ação estariam tramando contra ele. Dá de barato que nada será encontrado.

Quanto a Agripino, há uma evidência básica hoje no Congresso: deputados e senadores, por bons motivos, se pelam de medo de Janot. E não por bons motivos. É que conhecem o seu poder para destruir a reputação de quem se tornar seu desafeto. E contará, para isso, com setores da imprensa que adeririam, no dia a dia, às mesmas práticas fascistoides do Ministério Público Federal.

Candidato
Janot jogou pesado para conquistar o terceiro mandato. Sabia que, caso disputasse a eleição na ANPR, perderia. Chegou, vejam que coisa!, a sugerir ao presidente da República — antes de tentar derrubá-lo — que o mandatário escolhesse um nome fora da lista tríplice. Quem??? Ora, ele próprio! Sim, senhores! O doutor conspirou contra o método que o elegeu. Nota: o Inciso XIV do Artigo 84 da Constituição garante ao presidente a escolha soberana de um nome para a Procuradoria-Geral da República. Submete ao Senado quem bem entender. Quando percebeu que Temer não cairia na sua lorota, a reação de Janot, com efeito, não foi das melhores.

Métodos heterodoxos e truculentos
Eu fui apenas o primeiro a perceber e a apontar os métodos heterodoxos e truculentos do ilustríssimo procurador-geral. Bem, coincidência ou não, entre mais de duas mil gravações da Operação Patmos, eis que veio à luz, de forma ilegal, uma conversa minha com uma fonte, Andrea Neves. Gilmar Mendes, presidente do TSE e ministro do Supremo, também não é conhecido por ficar de joelhos: aliados do procurador-geral resolveram pedir o seu impeachment.

O senador Aécio Neves (PSDB-MG), então presidente de seu partido, resolveu se articular para aprovar o projeto que mudava a lei que pune abuso de autoridade. Também debateu com seus pares se cabia uma mudança no estatuto legal no Artigo 350 do Código Eleitoral, que alude ao caixa dois. São atividades normais de um parlamentar. Janot entendeu que ele estava tentando obstruir a Lava Jato e pediu sua prisão a Edson Fachin, seu parceiro na patuscada. O ministro do STF viu um certo exagero. Resolveu afastar Aécio do mandato com base no Artigo 319 do Código de Processo Penal.

É um absurdo. Tal artigo traz as medidas cautelares que podem ser aplicadas em lugar da prisão. Ocorre que Aécio não poderia ter decretada a dita-cuja porque a Constituição não permite. O pedido de Janot é absurdo. A decisão de Fachin também. Pior, muito pior: no caso que diz respeito ao senador e ao presidente da República, o sr. procurador-geral escolheu o juiz (Fachin), o que não é facultado nem à acusação nem à defesa. Fachin não era o juiz natural do caso, que nada tinha a ver com as lambanças na Petrobras. Tanto é assim que ele próprio abriu mão da relatoria que diz respeito a Aécio, mas mantém, de forma acintosa e ilegal, a que se refere ao presidente.

O Inciso 56 do Artigo 5º da Constituição, uma cláusula pétrea, repudia o uso de provas ilícitas em juízo. É o caso das gravações feitas por Joesley. E, antes, as de Sérgio Machado, que recorreu aos mesmos expedientes. O sr. procurador-geral, na sua fúria a esta altura cega, bêbado que está de tanto poder, não vê nada à sua frente. E conta com apoio de setores poderosos da imprensa, que, como diria Leonel Brizola, estão "costeando o alambrado" do golpe de Estado. Sim, esses setores da imprensa — e, a seu tempo, as coisas vão se esclarecer — estão adotando os mesmos métodos do Estado policialesco inaugurado por Janot.

Os coniventes
Se há coisa que prometo fazer é contar a história destes tempos em livro, tintim por tintim. Hei de evidenciar as muitas vezes que setores da imprensa se calaram diante dos arreganhos autoritários e, pior de tudo, resolveram ser sócios das violações das garantias constitucionais. Também vou arguir a responsabilidade do Congresso, que tremeu de medo muitas vezes, e até de movimentos que não souberam fazer a devida distinção entre o necessário combate à corrupção e a instauração do fascismo rudimentar que hoje tenta golpear a República.

SIM, A LUTA CONTRA ESSE ESTADO DE COISAS ME CUSTOU DOIS EMPREGOS. PODERIA TER CUSTADO OS QUATRO. A minha valentia não vem da bravata e do gosto fetichista de parecer corajoso. É que só sei fazer assim. Vai ver sou decente por falta de imaginação, né?

Uma vez, ainda moleque, encontrei uma anotação num livro que me emprestaram, um papel solto: "Não pode alcançar os astros quem leva a vida de rastros, quem é poeira do chão". Fiquei fascinado por aquilo. Não tardou para descobrir que era a última estrofe da música "Poeira do Chão", de Armando Cavalcanti e Klecius Caldas, celebrizada por Dalva de Oliveira e Núbia Lafayete (vídeo abaixo). A letra é assim:

O que te dei em carinho
Tu devolveste em traição
O que era um claro caminho
Tornaste desolação
Hoje, tu voltas chorando
Para implorar meu perdão.

O meu perdão nada custa
Falando a palavra justa
Há muito eu te perdoei
E por amar de verdade
Vendo tanta falsidade
No fundo eu te lastimei.
Se é baixo e vil o interesse
O amor bem cedo fenece
É flor que morre em botão.

Não
Não pode alcançar os astros
Quem leva a vida de rastros
Quem é poeira do chão…

Encerro
Como se vê, a música trata de dor de cotovelo, de um amor insatisfeito, do sofrimento e da superação. Essa é a vida de cada um. Essa é a única lenda que Interessa. Os "Janots", "Joesleys" e outros monumentos morais têm tudo a ver com os que odeiam e nada a ver com os que amam. Esta é a razão da sua resiliência: amam.

A reportagem da "IstoÉ" tem particular importância porque se trata de começar a desfazer a densa camada de mistificação que tomou conta das consciências também dos bem-intencionados.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.