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Reinaldo Azevedo

Leda e a zoofilia em Da Vinci, Michelangelo, Boucher, Rubens, Cézanne. Aquilo não é um cisne!

Reinaldo Azevedo

15/09/2017 23h17

Minha disposição para explicar as coisas é quase infinita. Já fui professor. Pode ser por isso. Pode ser por convicção pessoal. Eu realmente acredito que o conhecimento liberta. Liberta do quê? Da ignorância, que sempre é reacionária, reducionista, burra.

Por exemplo, contra qual expressão de "zoofilia" de "Leda e o Cisne" nós deveríamos nos manifestar no Brasil caso a exposição tivesse o apoio da Lei Rouanet? Comece-se por protestar contra a divulgação da mitologia. A dona Leda, princesa espartana, uma assanhada zoófila, deixou-se cortejar por Zeus na forma de um… cisne!!!

Se é que vocês me entendem.

O bicho se aproximou. Ela começou a acariciá-lo… Sabem no que deu? Em dois ovos no seu ventre real. Um deu origem a Pólux e Clitemnestra; o outro, a Castor e Helena. Pesquisem aí. Sem aquele roça-roça com o cisne (que não é do tipo que tem cloaca), a gente teria perdido boas tragédias e narrativas…

"Está dizendo que zoofilia também é cultura, Reinaldo?" Não! O combate à zoofilia, na hipótese de isso existir, é que não pode ser uma incultura.

A versão de Da Vinci, por exemplo, até que é pudica, apesar da cara malandrinha de Leda e do aspecto, digamos, saliente do cisne. Antes de Wesley, já houve um "Zeus Safadão". Vejam:

Vá lá! Imperdoável mesmo é o que fez Michelangelo, o tarado. Aí é inaceitável. É aquela lá no alto, no começo do post.

Como pode? E depois ainda chamam um cara assim de "gênio"? E François Boucher? Era caso de fogueira. Com ele, a metáfora ganha uma literalidade absurda, incompatível com os altos desígnios de certa civilização tropical que iria se formar mais tarde. Olhem isto (crianças devem deixar o blog agora e migrar para as aulas de Educação Moral e Cívica, muito frequentes na Internet, especialmente no Facebook e no Twitter):

E pensam que parou por aí? Poucos grandes da pintura escaparam da maldição zoófila e fizeram a sua própria versão dessa coisa repugnante que é transar com cisnes: Rubens, Cezanne, Salvador Dali (este, então, só fazia o que não presta)…

Platão não queria poetas em sua República por causa de seu idealismo canhestro. Eu expulsaria os pintores. Eles gostam de cisnes.

Eu estava disposto a passar longe da formidável cadeia de equívocos gerada por essa questão. Um ouvinte, no entanto, fez pergunta no programa "O É da coisa", que ancoro diariamente na BandNews FM. Falei o que considero óbvio: departamentos culturais de bancos há muito são comandados por esquerdistas, que odeiam o mundo "conservador" de seus patrões. Estes, por sua vez, contratam os esquerdistas porque:
a: sabem que são irrelevantes;
b: ficam com a consciência menos culpada.

Mas a má consciência não existe para justificar o ânimo censório, que não tem origem apenas no Estado. E afirmei o consenso Massinha I da obra de arte, boa ou má: a representação da coisa não é a coisa, com ou sem lei Rouanet.  Como o desenho de um cachimbo que não é um cachimbo, de Magritte.

Vejam que coisa! Sentei aqui para escrever sobre a decisão da defesa de Michel Temer, que pediu ao STF que devolva à PGR a denúncia picareta de Rodrigo Janot.

A gritaria dos idiotas já está nas ruas. O presidente só faria isso para procrastinar, para ganhar tempo, porque estaria com medo… No berreiro, nenhuma menção ao Parágrafo 4º do Artigo 86 da Constituição (ainda voltarei ao tema).

Uma das formas de ser do obscurantismo é apelar ao juízo moralista do interlocutor antes mesmo de abordar o mínimo necessário de informação técnica sobre o objeto que há de despertar a fúria judiciosa ou a adesão entusiasmada.

Pois é…Tratei da questão em "O É da Coisa", na Band News FM, na quarta. Nesta sexta, cretinos ainda vomitavam no Youtube, durante a transmissão do programa: "Defensor da zoofilia! Defensor da pedofilia! Defensor da viadagem!…"

É incrível como certos, digamos, "tipos de inteligência" se deixam mobilizar, com aquela fúria sempre tão elegante, por certas questões. E lá vêm as correntes organizadas, as hostes, as hordas…

É de uma tolice e de uma inutilidade tão formidáveis tentar me intimidar com isso!

Dizer o quê? Acho que fica bem assim: vejam mais Michelangelo, Da Vinci, Rubens, Cézanne…

Aquilo não é um cisne!

Volto para as coisas do STF, da Constituição, das leis…. Mas que Leda era safada, vamos convir, isso ela era.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.