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Reinaldo Azevedo

Lula diz só aceitar um tribunal: o povo! E as ameaças de Gleisi Hoffmann e Tarso Genro

Reinaldo Azevedo

14/07/2017 08h49

Uma das Irmãs Cajazeiras enxuga o suor do rosto de Lula (Foto: Edilson Dantas/ Agência O Globo

Luiz Inácio Lula da Silva, condenado no dia anterior pelo juiz Sérgio Moro a nove ano e meio de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, discursou nesta quinta no Diretório Nacional do PT, em São Paulo.

Criticou a sentença do juiz Sérgio Moro, disse "estar no jogo" e aproveitou para lançar sua candidatura à Presidência da República em 2018. No costumeiro estilo palanqueiro, bravateou: "Se alguém pensa que, com essa sentença, me tiraram do jogo, pode saber que eu tô no jogo (…) E quero dizer ao meu partido que, até agora, não tinha reivindicado, mas vou reivindicar, me colocar como postulante à Presidência da República em 2018." Alguém tinha alguma dúvida a respeito? Vamos ver.

Embora vazada naquele habitual tom condoreiro, a frase encerra mais a sua melancolia do que a sua força.

De fato, a sentença de Moro ainda não o tira do jogo eleitoral. Mas a que vem a seguir, do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, pode tirar. Tanto o petista sabe disso que já fez o primeiro comício pós-condenação, ao lado da senadora Gleisi Hoffmann, senadora do PT (PR), ré e "presidenta" (como ela quer) da legenda. Para não variar, a fala que realmente ficou fora de tom foi a de Gleisi.

Estima-se, tão logo o apelo chegue à aquela corte, que os três desembargadores encarregados do caso hão de se desincumbir da tarefa em um ano — a tempo, portanto, caso Lula realmente se torne candidato e tenha confirmada a condenação, de o partido escolher um novo nome ou aderir a uma das candidaturas que estiverem na praça.

Vocês sabem o que penso da sentença de Sérgio Moro — eu, que sou apenas um jornalista, e a quase unanimidade dos especialistas em direito: trata-se de uma peça fraca, ancorada numa investigação que não logrou chegar ao "é da coisa". Isso não quer dizer, no entanto, que o TRF vá rejeitá-la. E a chance de a condenação ser confirmada é, obviamente, grande.

Mas será que isso autoriza Lula, Gleisi e ex-ministro Tarso Genro a falar besteira pelos cotovelos? Obviamente, não. O ex-presidente deu a seguinte pérola ao público presente:
"Quem acha que é o fim do Lula vai quebrar a cara. Quem tem o direito de decretar o meu fim é o povo brasileiro".

Pois é… Não há interpretação virtuosa para isso. É evidente que ele está a dizer que não reconhece outra instância para julgar seus atos que não o tal "povo brasileiro". A fala, com certeza, ecoou também no TRF4. O chefão petista está a afirmar que só um voto é legítimo no seu caso: a absolvição. A condenação seria uma afronta à soberania do povo.

E coube, então, à ré Gleisi Hoffmann a frase de lapidar estupidez. Segundo a preclara, quem tentar impedir Lula de ser candidato "vai responder pela instabilidade política no país". Eu estou enganado, ou há aí um tom de ameaça? E ela foi adiante: "Não vamos admitir uma eleição sem Lula".

É mesmo, Gleisi?
Ou é isso ou é o quê? Luta armada? Guerra de guerrilha? Sim, a sentença de Moro é forte na pena que impõe e fraca nos argumentos que desfia. Mas é evidente que um ex-presidente da República, ainda assim, não pode se dizer acima das vicissitudes da lei. Há uma diferença abismal, senhora Gleisi Hoffmann, entre criticar a decisão de um juiz e dar um pé no traseiro das instituições.

Esse é, aliás, um comportamento muito típico de alguns membros da Lava Jato. Eu diria que estamos diante do confronto de duas forças que reivindicam a soberania, pisoteando, se necessário, o Estado de Direito: refiro-me a setores do Ministério Público e aos sequazes de Lula.

Tarso Genro também não se fez de rogado e afirmou sobre Lula: "Ele é a única liderança, com apelo popular e capacidade política, para encaminhar uma saída não violenta para a crise".

Parece que o Valente está a nos dizer que, além de ser absolvido, Lula também tem de ser eleito para evitar "uma saída violenta para a crise".

Tudo é, em suma, inaceitável e incompatível com a democracia. É claro que Lula e os petistas têm o direito de reclamar, de não gostar da sentença, de propor mobilizações. Mas a ninguém se faculta a licença de ameaçar a ordem democrática porque contrariado.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.