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Reinaldo Azevedo

Lula e Eu-1: petista diz a jornalistas: “Façam como Reinaldo Azevedo; leiam processos”. Só os bobos riram!

Reinaldo Azevedo

21/12/2017 10h51

https://www.youtube.com/watch?v=4AfbdJS1dhg&feature=youtu.be

Luiz Inácio Lula da Silva convidou jornalistas para um café da manhã nesta quarta. Falou sobre muita coisa. A peça de resistência, obviamente, foi insistir na sua inocência. E, ora vejam, este humilde jornalista foi objeto de algumas considerações do ex-presidente. Observo — assistam ao vídeo que parte da audiência não entendeu que o líder petista estava falando a sério ao aconselhar os jornalistas a fazer "como o Reinaldo Azevedo está fazendo".

Uma bobalhona, não sei quem é, pagou o mico de rir bem alto, como a evidenciar que havia captado a suposta ironia mais do que os outros. Isso é muito comum no cinema, em comédias leves. Sempre há um riso frouxo, saliente, impróprio. A pessoa se esforça para demonstrar que se diverte mais do que as outras porque mais apta a entender o subtexto — em suma: gente aborrecida e, quase sempre, burra. Outros bocós a acompanharam, mas com menos saliência. Ocorre, e o vídeo o demonstra, que Lula não estava brincando. Já volto ao ponto. Antes, outras considerações.

Mônica Bergamo foi quem publicou o relato mais detalhado. Está aqui. Lula se esforça para superar o abatimento e, no estilo conhecido, jacta-se de sua energia, com laivos, ainda que contidos, de apelo à piedade. A mistura sempre funciona:
Como eu acho que eu vou ser cada vez mais inocentado, eu acho que, no final, vai prevalecer o bom senso nesse país. Como eles podem tentar evitar que um velhinho [como eu] de 72 anos de vida, energia de 30 anos e tesão de 20 seja candidato? Não é possível! É tanta coisa boa junta que eles têm que deixar, porra! Ainda mais um cara que tem um otimismo, sozinho, que todos não têm juntos.

O apedeuta
Como sabem, cravei em Lula o apelido de "Apedeuta". E já expliquei centenas de vezes as razões. Nada têm a ver com a sua formação escolar ou com sua inteligência política — esta sem competidores no país —, mas com a apologia que chegou a fazer, mais de uma vez, da ignorância. Parece ter parado com isso. Vamos ver o que nos reserva a campanha eleitoral.

Lula dava a entender, especialmente quando se comparava com FHC, que as virtudes que via em seu próprio governo decorriam de sua baixa escolaridade e que os defeitos que apontava na gestão do outro estavam relacionados à formação do adversário. O discurso era tanto mais detestável porque falso. Independentemente de acertos e erros, e não entrarei agora nesse mérito, o petista sempre se cercou de doutores — alguns deles, é fato, do miolo mole. Quem tem Marcos Lisboa como secretário de política econômica, como ele teve, sabe que o aparato intelectual e a expertise fazem a diferença.

O especialista
Faço essas observações para destacar que Lula leu o jogo com mais rapidez do que qualquer outro líder político. Não tem rivais, nessa agilidade, dentro ou fora do PT. No fim do ano passado, antevi a sua ressurreição, quando o davam como morto — e, com efeito, ele chegou a agonizar. Mas percebeu que a Lava Jato — para usar a marca-fantasia genérica — se embrenhava por caminhos de tal sorte escuros que a única postura possível era mesmo a resistência.

Lula contou com a colaboração involuntária, e ele sabe que estou certo, da direita xucra, que se ofereceu como o exército de Sérgio Moro, Deltan Dallagnol, Carlos Fernando e Rodrigo Janot. Uma língua negra escorreu para o Supremo, e lá estão Edson Fachin, Luiz Fux. Roberto Barroso e Rosa Weber a fazer tabula rasa de garantias constitucionais com uma desfaçatez inédita. Justiça se faça: nenhum deles teria passado por seu crivo. Note-se: quando presidente, já havia se recusado a indicar Fachin e Fux. No caso deste último, a justificativa chegou a ser engraçada: o doutor havia feito lobby junto a Antonio Palocci, José Dirceu, Delfim Netto e João Pedro Stedile, entre outros. Lula considerou que não havia moralidade capaz de acolher padrinhos tão díspares. Volto ao ponto.

Sim, Lula acusa, como se hábito, um "eles" genérico, que estaria interessado em impedir a volta do partido ao poder, com especial empenho em tirá-lo do jogo, mas nunca deixou de estar atento ao fato de que a Lava Jato não tinha como inimigo o PT, mas a própria política. Conseguiu juntar os escombros da legenda, unificou o discurso, mirou as camadas mais pobres que ignoram se Dallagnol e Moro pertencem ao reino animal, mineral ou vegetal e deu início à sua escalada. Enquanto isso, o PSDB, o principal adversário, ajoelhava-se no altar da Lava Jato enquanto era esmagado por ela.

Foi tamanha a estupidez dos adversários do PT, em especial da direita e da extrema direita, que a formulação "Lula vai ser preso amanhã" teve de ser substituída por "prendam Lula, pelo amor de Deus!, antes que ele se eleja".

Quem falava?
O Lula que falou a jornalistas nesta quarta sabe que está em ascensão. Pesquisa Ipsos aponta que a rejeição a seu nome é de 54% — a menor entre os presidenciáveis que devem ser levados a sério —, mas em empate, ora vejam!, com ninguém menos do que Sérgio Moro, rejeitado por 53%. Então chegou a horta de falar, afirmar uma vez mais sua inocência, cobrar as provas e, por que não?, fazer acenos ao mundo político. Alianças com partidos que apoiaram o dito "golpe"? O ex-presidente responde com pragmatismo: como recusar a união com o MDB de Minas, que está junto com Fernando Pimentel e o defende? Com efeito, Lula não é Guilherme Boulos, não é mesmo?

A dita "jararaca" já ensaia o figurino paz e amor:
O ódio que foi disseminado nesse país… Eu vou pacificar esse país. Pode estar certa de que eu vou pacificar. As pessoas vão voltar a viver em harmonia. Da mesma forma que um corintiano e um palmeirense podem subir no mesmo elevador, um petista e um tucano podem subir, sem um morder o outro.

Como esquecer que a luta sem classe "Nós X Eles" é uma das mais genuínas criações de Lula, de modo que o PT passou a provar, por um bom tempo, do próprio veneno? E, de fato, a legenda estaria em maus lençóis não fosse a fúria "politicida" da Lava Jato, que, ao pregar o extermínio da política e dos políticos, a todos igualou. Já foi longe aquele 17 de fevereiro, quando escrevi na Folha: "Se todos são iguais, Lula é melhor". Sabem o título aquele texto, escrito há 10 meses? Este: "A degeneração da Lava Jato, com apoio da direita, ressuscita Lula". E lá se leem palavras premonitórias:
"Alguém pode dizer que, ruim como é, o governo Temer é que deve ser responsabilizado pela eventual ascensão da esquerda. Discordo. Dado o que herdou e o que conseguiu realizar até agora, o governo é bom. De resto, Lula não está forte porque esquerdista, mas porque populista. Em certa medida, poderia ser Bolsonaro –que disputa o segundo lugar com Marina.
O populismo de direita, associado ao lava-jatismo, é que está minando a credibilidade da atual gestão e ressuscitando a esquerda. Afinal, conservadores que não buscam preservar nem as instituições hão de conservar o quê?
Não sobra nem o juízo."

Volto ao começo: "Façam como Reinaldo Azevedo"
No café da manhã, Lula se referiu a mim nestes termos:
"Eu aconselho vocês a lerem as peças [do processo] para me defenderem, como o Reinaldo Azevedo está fazendo. Ele todo dia fala 'Eu li. Eu li o processo'. Eu não peço para dizerem que eu sou inocente, não. Peço que vocês leiam. E, se acharem uma vírgula de culpa, por favor, me telefonem. É só isso."

Vejam o filme. Como se poderá notar, alguns tontos — uma tonta em particular — dão risada, como se o ex-presidente estivesse fazendo uma ironia. Ele não sorri. Ele está falando a sério.

É verdade! Leio as peças pertinentes antes de escrever. Li, por exemplo, as respectivas denúncias oferecidas pelo MPF contra Lula no caso dos apartamentos de Guarujá e de São Bernardo — são processos distintos. No primeiro caso, li também a sentença condenatória de Sérgio Moro. Tem tudo para entrar para a história como uma das peças mais exóticas da história dos tribunais. O petista é condenado por razões distintas da denúncia. Nos embargos de declaração, o juiz deixa claro que a dita-cuja não está na raiz da condenação. Ele trabalha com o conjunto do que considera evidências de que Lula concentrava poder e mando para ter conhecimento de ações criminosas — mas esse é outro inquérito!!! — e ancora a condenação num único elemento objetivo, que não é prova: a acusação de Leo Pinheiro. Todo o resto é feito de circunstâncias para evidenciar os vínculos entre a família Lula da Silva e o tal tríplex. Ainda que verdadeiros, eles provam que o imóvel é fruto dos contratos entre o consórcio integrado pela OAS e a Petrobras? Resposta: não!

Na democracia de direito, que é a minha praia, meras convicções e conjecturas, ainda que fundadas, não servem para condenar ninguém. Sempre irei indagar o que está nos autos. Eu, com efeito, não entro na porfia se Lula é culpado ou inocente. Quero saber se, dispondo de todos os meios lícitos — e nem sempre apenas estes — de que dispõem para investigar, a PF e o MPF conseguiram apresentar as provas. Isso vale para Lula, Aécio Neves e o Zé da Esquina.

Recomendação
Àquelas pessoas que riram da própria ignorância também recomendo que façam o mesmo. Mas não se contentem só com as peças que dizem respeito a Lula. Procurem achar, por exemplo, na denúncia contra Aécio (no caso JBS) a contrapartida que o senador teria oferecido a Joesley Batista em troca daqueles R$ 2 milhões. Não está lá. E assim tem disso nesses e em outros casos.

Não é para dar risada, seus Manés! O chefão petista, com efeito, está recomendando que vocês façam como eu: ler as peças dos processos.

A situação, e não Lula, é irônica, sim. Afinal, o ex-presidente está a recomendar que se tome como padrão a prática profissional daquele que criou as palavras "petralha" e "esquerdopata" e que lhe pespegou os apelidos "apedeuta" e "Babalorixá de Banânia". Ele está a sugerir que se tenha como referência o hoje ex-diretor de redação da revista "Primeira Leitura", que, na prática, foi fechada, em 2006, pela truculência do PT. É evidente que, ao fazê-lo, não tem em mente os dados elencados neste parágrafo.

Lula está a pedir aos jornalistas que façam o que fiz: que leiam as peças do processo e identifiquem a denúncia, as provas apresentadas e as eventuais sentenças, analisando se estas guardam ou não relação com o conjunto probatório. Dá trabalho. Leva mais tempo do que bater um papinho com aquele procurador amigo…

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.