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Reinaldo Azevedo

Lula e o tríplex: Moro ignorou contratos para condenar; MPF usa contratos para elevar pena

Reinaldo Azevedo

06/10/2017 22h41

O Ministério Público Federal de segunda instância resolveu discordar de Sérgio Moro, que condenou o ex-presidente Lula a nove anos e meio de prisão, em regime aberto, no processo sobre o tríplex de Guarujá. Achou a pena pequena. Quer mais. Por quê? Já vamos ver. Faz sentido? Também direi.

Não sei onde tudo isso vai dar, mas não será num bom lugar caso não se mudem os métodos. Para que você entenda a natureza do debate, é preciso que nem eu nem você, leitor amigo, nos comportemos como juízes. Não que você e eu não possamos ter uma opinião a respeito da culpa ou da inocência de quem quer que seja. A questão é outra: por mais convictos que estejamos de alguma coisa, deve-se ou não aceitar a condenação sem provas? Admitem-se ou não procedimentos heterodoxos sob o pretexto de fazer Justiça? Minha opinião é conhecida.

O juiz Sérgio Moro condenou Lula a nove anos e meio de prisão, em regime aberto, no caso do apartamento de Guarujá. A íntegra da sentença está aqui. O que a decisão do juiz trouxe de, como direi?, excepcional? A Ministério Público Federal sustenta que o tal imóvel, que assegura ser propriedade de Lula, era fruto de propina oriunda de três contratos entre a Petrobras e consórcios integrados pela OAS.

Sendo assim, cumpria ao MPF apresentar, então, as provas de que o imóvel realmente pertencia a Lula e derivava daqueles contratos. Não fez nem uma coisa nem outra. O juiz se sustenta numa opção algo curiosa: Lula é que não teria conseguido provar que o imóvel não era seu. Já aqui haveria muito pano pra manga. Mas avancemos.

Ao dar a sua sentença, o juiz ignorou a acusação do MPF e simplesmente deixou de lado a questão dos contratos, que aparecem no documento apenas como uma ilustração da importância que teria o petista numa arquitetura criminosa. Inovava-se, pois. É corriqueiro que se ignore a denúncia na hora da sentença? Não. Imaginem, se a moda pega… Você até pode achar justo para Lula. E para você?

Nos embargos de declaração, a defesa cobrou o juiz a respeito e recebeu esta resposta:
"Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram usados para pagamento da vantagem indevida para o ex-presidente".

Bem, o juízo pode não ter dito, mas o juiz só estava dando uma sentença porque houve uma denúncia, não é mesmo? E dela constavam os três contratos.

De volta ao MPF
O que há de singular na posição do MPF? Os procuradores argumentam que Lula deve ser condenado por três crimes de corrupção, não apenas um, como faz Moro. A suposta relação do ex-presidente com cada contrato constituiria um crime autônomo. Logo, tem-se a seguinte situação, que, se não é inédita, certamente é rara:

1 – o MPF faz uma denúncia e ancora nos contratos X, Y e Z as evidências do suposto crime cometido;
2 – na sentença proferida, o juiz ignora os três contratos, já que as provas não foram apresentadas, e elabora a sua sentença com base num conjunto de circunstâncias que, a seu juízo: a) evidenciariam que o imóvel pertence a Lula; b) evidenciariam a sua proximidade com o esquema criminoso;
3 – o MPF de segunda instância considera cada contrato um crime autônomo, ignorando que seus pares da primeira não ofereceram as provas, e pede aumento de pena.

Vamos ver o que vai dizer o relator da turma do TRF4, João Pedro Gebran Neto. Para Lula, o indício é péssimo. Até porque se verifica que a heterodoxia de procedimentos já não constrange ninguém.

"Está dizendo que Lula é inocente, Reinaldo?" Não! Estou afirmando que o devido processo legal tem de ser respeitado, condenar ou absolver.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.