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Reinaldo Azevedo

Na carta, presidente cita fatos óbvios, mas ignora baixarias oriundas de autoridades togadas

Reinaldo Azevedo

16/10/2017 17h13

Marcelo Miller: ele é peça central na conspiração que tentou derrubar o presidente da República. Foto: divulgação/Ministério Público Federal

Dois dias antes da votação do relatório de Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, o presidente Michel Temer envia uma carta aos deputados da base aliada em que usa, sem receio, no que faz muito bem, a palavra "conspiração". Já deveria tê-lo feito antes.

E não! Não se trata de nenhuma "teoria conspiratória". Esta se alimenta da ausência de fatos. A tentativa de derrubar Temer se faz é do excesso deles. Querem ver? A hipótese de que discos voadores existem se assenta, sobretudo, no fato de que se tem certeza de que a Nasa esconde as evidências de que ETs visitam de vez em quando a Terra. Como a Nasa esconde, a gente não sabe. Logo, discos voadores existem.

O presidente não está a enxergar discos voadores. O que tem são fatos. Lista alguns e, quero crer, para evitar uma crise institucional, deixa outros de lado.

Desde que veio a público aquele seu diálogo que não houve com Joesley Batista, ficamos sabendo algumas coisas, que o presidente lembra em sua mensagem aos deputados:

– diálogos desavergonhados de Joesley com seus conspiradores, deixando claro que o objetivo era mesmo derrubar o presidente da República;

– evidências de que a Procuradoria-geral da República participou de toda a armação prévia que resultou na delação, o que, segundo a lei, a torna imprestável — e eventuais provas são nulas;

– provas de que Marcelo Miller, braço direito de Rodrigo Janot, fez dupla militância: atuou como advogado da JBS e como representante da PGR;

– entrevistas evidenciando que o objetivo de Janot era, desde sempre, "pegar" o presidente, a saber: Eduardo Cunha e Ângelo Vilela;

– fala explícita de Joesley, que está em uma das gravações, evidenciando que seria Lúcio Funaro a fazer o trabalho sujo final.

Isso tudo é absolutamente verdadeiro. Nem por isso arrefeceu o ânimo dos que pretendem depor o presidente, capturando, nessa trajetória, outras figuras cujas ambições ou pretensões malparadas se voltam também contra o chefe do Executivo. A figura mais notória, nesse caso, é Rodrigo Maia.

E o presidente poderia ter ido além se quisesse. Qualquer observador isento, que veja a questão com olhos técnicos, sabe que:

– Edson Fachin jamais poderia ter sido o relator do caso JBS; foi escolhido por Rodrigo Janot, com a conivência de Cármen Lúcia;

– as ações que chamaram de "operação controlada" são evidências de flagrantes armados, que contaram com a anuência de Fachin;

– o próprio Fachin, até agora, não explicou suas relações com a JBS; as evidências de que existem foram consideradas uma tramoia da Abin, o que é mentira;

– a gravação de Joesley com o presidente seria prova ilícita, ainda que trouxesse algo de comprometedor.

– um grupo de comunicação age de forma clara, sistemática e organizada para depor o presidente, servindo de porta-voz, ainda hoje, da turma de Janot;

– a divulgação dos vídeos no site de Câmara é obviamente ilegal.

O presidente se absteve de apontar tais fatos. Prefere ficar naqueles que são incontroversos e que não levam a um choque entre entes do Estado, embora o "outro lado", como se vê, trave uma guerra sem quartel.

Na carta, o presidente lista ainda feitos do governo, que colocaram a economia no rumo do crescimento.

Sim, trata-se de uma conspiração porque cada passo dado que poderia conduzir à deposição do presidente afronta a lei.

Há a hora em que a coisa tem de ser chamada pelo seu nome. E, no caso, uma conspiração tem de ser chamada de conspiração.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.