Novo diretor-geral na PF? Sabem o que significa? Nada. E a questão da autonomia da PF e do MPF
O delegado Fernando Segóvia será o novo diretor-geral da Polícia Federal, em substituição a Leandro Daiello, que ocupa o cargo desde janeiro de 2011.
SABEM O QUE ISSO SIGNIFCA?
NADA!
Significa apenas que Daiello está cansado e pediu para sair. Nunca foi alvo de pressão nenhuma. Nem no governo Dilma, é bom que fique claro. A PF já goza no Brasil de uma relativa autonomia que não tem paralelo mesmo nas mais avançadas democracias do mundo. Para que vocês saibam: delegados não têm de prestar contas ao diretor-geral sobre as operações às quais se dedicam. Tampouco o chefe do órgão está obrigado a se reportar ao titular do Ministério da Justiça, pasta à qual a PF é administrativamente vinculada.
Isso torna os policiais menos sujeitos a pressões políticas? Vamos ver.
A resposta simplória e imediata é esta: "sim". A resposta prudente é outra. Reparem que essa estrutura torna quase impossível saber se um delegado, que concentra bastante poder, está a serviço de uma causa que não o bem público. Ou se usa o órgão para tentar provas teses destrambelhadas.
A maior operação realizada até hoje pela Polícia Federal foi a dita "Carne Fraca", um fiasco descomunal. Foram mobilizados 1.200 agentes para chegar à conclusão de que havia irregularidades num frigorífico ou outro, dos milhares existentes, o que poderia ter sido feito por agentes de saúde. A exportação de carne do país foi paralisada. E pra quê? Pra nada! As notícias que mais renderam títulos — venda de um prensado de carne e papelão e adição de substâncias cancerígenas para conservar o produto — eram falsas, decorrentes de interpretações bisonhas de gravações telefônicas.
Aqui e ali se noticia que Segovia contaria com o apoio de Sarney — afinal, o delegado já serviu no Maranhão — e seria um nome que contaria com a anuência do universo político. Conversa para boi dormir e para assanhar as redes. Quais políticos? De quais correntes? Existe agora um ente chamado "os políticos"? Digam-me cá! Ainda que isso fosse verdade, caberia perguntar: será que se deveria indicar para o cargo alguém odiado por esse tal "os políticos"? Isso não é notícia. É só uma forma suave de "fake News".
O momento
A troca se dá num momento em que a dita autonomia da PF virou notícia. Nesta terça, Raquel Dodge, procuradora-geral da República, se manifestou com firmeza, em reunião do Conselho Nacional do Ministério Público, contra a autonomia funcional e administrativa da PF, conforme prevê a Proposta de Emenda Constitucional 412/09 — com efeito, um absurdo!
Essa autonomia não existe em lugar nenhum do mundo. Corresponderia a retirar do controle democrático um dos organismos que compõem o grupo de entes que detêm o monopólio do uso da força, incluindo a armada.
Ocorre que a procuradora-geral cometeu um ato falho que foi abrigado pela imprensa como se nada houvesse de errado na fala. Afirmou ela que a PEC "consagra uma situação clara em que um quinto poder ressurgiria desse modelo constitucional, um modelo em que um desses poderes teria a força e certamente a força armada."
Opa!
Montesquieu resolveu reagir: "Como assim, doutora, quinto Poder? Só previ Três: Executivo, Legislativo e Judiciário". Pois é… Mesmo doutora Raquel, que não pertence à banda porra-louca dos procuradores, considera que o Ministério Público Federal já é um Quarto Poder. Bem, se é, vamos ter de submetê-lo ao controle democrático, não? Hoje, então, trata-se de uma plutocracia.
Explico rapidamente: o comando do Executivo passa pelo crivo popular; todo o Legislativo é eleito pelo povo; os indicados a cortes superiores o foram por quem tem voto (presidente) e têm de ser aprovados por pessoas também votadas. Se o MPF é um Poder, o povo precisa meter lá a sua colher. Ou os valentes reivindicam dessa condição apenas os benefícios, mas não as obrigações e os limites? E que Poder é esse que, a um só tempo, manda investigar, investiga e oferece a denúncia?
Amarro as pontas do texto: a PF, por óbvio, não poderia ser Quinto Poder por dois motivos: a) porque seria essencialmente antidemocrático; b) porque o Quarto Poder não existe. Ainda que assim não seja hoje, que fique claro: o MPF é um braço do Poder Executivo.
E, sim, o MPF ganhou, no berro, uma autonomia que hoje o empurra, e ao país, para a anarquia. E isso aconteceu diante de um Legislativo acovardado. A Internet está aí: pesquisem. A folia que os procuradores fazem por aqui é única no mundo. Nos EUA, tidos como exemplo de intolerância com malfeitos, o procurador-geral é também o secretário de Justiça — correspondente por aqui ao ministro da Pasta. E ele escolhe os procuradores federais regionais, demissíveis, como se diz, "ad nutum", por vontade de quem nomeia.
Operamos uma lambança única do planeta. E estamos arcando com uma confusão igualmente inédita. Um braço do Executivo, que Poder não é, comporta-se como se fosse o Poder dos Poderes e, recorrendo a práticas heterodoxas, liquida, por decisão própria, a classe política.
As últimas revelações sobre as lambanças do sr. Marcelo Miller o provam à farta.
Espero que o novo diretor-geral da PF seja um fiel subordinado. A quê? Ao estado de direito e à democracia. E torço para que Raquel Dodge consiga disciplinar a bagunça em que se transformou o MPF sob o comando de Rodrigo Janot.