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Reinaldo Azevedo

O é da coisa: Rodrigo Janot faz mal à Lava Jato. Que venha Raquel Dodge: pela ordem!

Reinaldo Azevedo

28/06/2017 22h56

É claro que, à partida, gostei da indicação de Raquel Dodge para a Procuradoria Geral da República. Ela será sabatinada pelo Senado e tem de ser aprovada por maioria absoluta — 42 votos: metade mais um do total de 81 senadores. E por que digo que "gostei"?

Porque não aceito que determinadas forças da vida pública se arvorem em soberanas do processo político, hipertrofiando seus poderes, atropelando a ordem legal, fazendo tábula rasa das instituições, ainda que aleguem finalidade nobre. Como já lembrei aqui, Maquiavel nunca disse que os fins justificam os meios. Ele apenas constatou que o vulgo não costuma indagar como se chegou a um fim que lhe parece virtuoso: vale dizer, se gosta do resultado, aplaude. E, por contraste, não há meios lícitos que ganhem a opinião pública se o fim é desastroso.

Bem, obrigo-me sempre a ir além do vulgo. Maquiavel dava, vamos dizer dicas, algumas muito práticas, para se construir um "Príncipe". O trabalho do jornalismo é decompor o que a ideologia e o arranjo político compuseram.

Eu estou entre aqueles que acreditam que os meios qualificam os fins. Assim, não me peçam para condescender com ilegalidades supostamente benévolas porque isso não vai acontecer. É evidente que apoio o combate à corrupção, levado adiante pela Lava Jato. Mas repudio a atuação política da turma. Esse viés está mais do que dado e já não precisa ser demonstrado.

Muito bem! Desde que se desenharam os candidatos à eleição promovida pela ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), Raquel Dodge passou a ser alvo de Janot e de sua incrível capacidade de engravidar a imprensa pelo ouvido. De súbito, e se viu isso ainda ontem, em reportagem do Jornal Nacional, ela teria se tornado a candidata do PMDB. Mas ela é?

Trata-se de uma rematada bobagem. Em muitos aspectos, há aí um esforço difamatório. Afirmá-lo corresponde a submeter a realidade, a análise, a um mero ente de razão com que a Lava Jato capturou as mentes. O que quero dizer com isso? Criou-se um modo de pensar que serve para explicar a realidade. Já não se pergunta, nos embates públicos, se algo é bom ou ruim para o Brasil, mas se serve ou não aos propósitos da… Lava Jato.

Atropelar a ordem legal, violar os fundamentos da prisão preventiva, admitir provas ilícitas, usar o MPF como plataforma de pregação política, desmoralizar as instituições e os políticos, atribuindo a todos a intenção de ludibriar a opinião pública… Pergunta-se: sob o pretexto de combater a corrupção, isso tudo deve passar por aceitável? Esse é um preço que devemos pagar? A minha resposta clara, aberta e resoluta é "não".

Ou quem se desmoraliza são as instituições, é o Estado brasileiro no que deveria ter de virtuoso. Tomemos como exemplo a denúncia que Rodrigo Janot ofereceu contra o presidente Michel Temer. O que se tem lá é imprestável. Não falou o zelo com a investigação, mas a pressa. Bastaram três meses desde a gravação ilícita para que o sr. Procurador-geral chegasse à conclusão de que o presidente cometeu crimes de corrupção passiva, organização criminosa e obstrução da investigação. O impressionante é que, na denúncia, ele mesmo aponta a necessidade de se procederem a novas investigações.

Então volto ao ponto: sou muito objetivo nessas coisas. Janot, que hoje representa a maior ameaça ao combate à corrupção no Brasil, tentou fulminar Raquel Dodge na guerra de bastidores? Tentou. Aqueles que saem por aí repetindo os mantras do procurador-geral fizeram o diabo para desmoralizá-la e para tisnar a sua carreira? Saíram. Buscaram inviabilizar a sua indicação no berro? A resposta é óbvia.

Sempre destacando que a eleição promovida pela ANPR nem constitucional é, mas também se levando em conta que o presidente já tinha expressado o compromisso de indicar alguém da lista tríplice, acho que se fez a melhor escolha. Só para responder a Janot? Não! A indicada tem o melhor currículo do trio e uma folha de relevantes serviços prestados ao MPF. Está habilitada para o cargo. Mas, claro!, não ignoro que ela simboliza também o repúdio não aos aspectos virtuosos da Lava Jato, mas a seus vícios.

É por seus vícios que a operação pode naufragar.

Fim da linha. Janot faz mal à Lava Jato.

Quem venha Raquel. Pela ordem! Que venha Raquel: para que se esclareça o é da coisa.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.