Topo

Reinaldo Azevedo

O Joesley da Globo. Ou: Vale para ela o que vale para Temer e todos: presunção da inocência

Reinaldo Azevedo

15/11/2017 09h55

Buzarco: ele incluiu a Globo entrre as emissoras pagadoras de propina. Está sob delação premiada

Leiam o que informa Silas Marti, na Folha. Leia comentário em azul.

Em um dos depoimentos mais aguardados do julgamento do escândalo de corrupção da Fifa, em Nova York, o empresário Alejandro Buzarco, ex-homem forte da companhia de marketing argentina Torneos y Competencias, disse que a TV Globo e outros grupos de mídia, entre eles a brasileira Traffic, a Televisa, do México, a americana Fox e a argentina Full Play, pagaram propina em contratos de transmissão de campeonatos de futebol.

O empresário citou ainda o grupo Clarín, mas disse que este foi o único deles que não chegou a pagar propinas.

Ele foi ouvido como uma das testemunhas de acusação no julgamento José Maria Marin, ex-presidente da CBF acusado de extorsão, fraude financeira e lavagem de dinheiro em negociações de contratos com o órgão que controla o futebol mundial.

Em seu depoimento, Buzarco deu detalhes de uma suposta reunião em Buenos Aires há cinco anos onde esteve com Marin.

Segundo ele, na mesa também estariam Marco Polo Del Nero, atual presidente da CBF, Marcelo Campos Pinto, então o executivo do Grupo Globo responsável por negociar direitos esportivos, e Julio Humberto Grondona, o chefe do futebol argentino na época.

No Tomo Uno, um restaurante da capital argentina, teria ficado acordado que Marin e Del Nero passariam a receber juntos US$ 600 mil em propina a cada ano relativo a aos contratos de transmissão da Copa Libertadores e da Copa Sul-Americana. Os valores teriam passado para US$ 900 mil por ano em 2013.

Segundo o delator, esses pagamentos antes eram destinados a Ricardo Teixeira, que acabava de deixar o comando da CBF. Marin e Del Nero, que Buzarco comparou a um par de "gêmeos siameses" por andarem sempre juntos, ainda teriam recebido mais US$ 2 milhões, que Teixeira tinha a receber como propina de outros negócios.

"Marin me deu um abraço, mostrou gratidão e fez um discurso", afirmou Buzarco.

"Del Nero sacou um caderno e anotou os detalhes. Marcelo Campos Pinto, da TV Globo, estava lá e deu seu aval", completou o empresário no tribunal de Nova York.

Em nota, o Grupo Globo negou ter feito pagamento de propina.

Buzarco disse ainda que liderou desde 2010 as negociações de pagamentos de propina a seis presidentes de federações sul-americanas na Conmebol, o que então ficou conhecido nas reuniões secretas como Grupo dos Seis.

O delator disse que Ricardo Teixeira era um de seus integrantes, ao lado dos chefes do futebol na Bolívia, na Colômbia, no Equador, no Uruguai e na Venezuela.

O empresário argentino também é réu na investigação conduzida pela Justiça americana. Ex-diretor da Torneos y Competencias, empresa de marketing esportivo de Buenos Aires, ele fechou um acordo de delação premiada com os promotores do caso e ainda aguarda a sua sentença.

Buzarco, que está em prisão domiciliar em Nova York, disse também que manteve a Fox Panamericans informada sobre os pagamentos.

Sua empresa, em associação com a brasileira Traffic numa parceria chamada T&T, financiava pagamentos aos cartolas, com verbas às vezes desviadas da Conmebol.

No tribunal do Brooklyn, diante dos jurados, Buzarco apontou para Marin, além de dois outros réus na corte, o paraguaio Juan Ángel Napout e o peruano Manuel Burga, ex-chefes do futebol em seus países, afirmando que havia pago propina a todos eles.

Marin, Burga e Napout são os únicos de réus entre os 40 indiciados no caso que se declaram inocentes.

O depoimento de Buzarco, portanto, é uma das principais armas da acusação no julgamento que acusa dirigentes do futebol mundial de receber até R$ 500 milhões em pagamentos ilícitos em paralelo a negociações de contratos com a Fifa ao longo das últimas duas décadas.
(…)
Nota a Globo
Sobre depoimento ocorrido em Nova York, no julgamento do caso Fifa pela Justiça dos Estados Unidos, o Grupo Globo afirma veementemente que não pratica nem tolera qualquer pagamento de propina. Esclarece que após mais de dois anos de investigação não é parte nos processos que correm na Justiça americana. Em suas amplas investigações internas, apurou que jamais realizou pagamentos que não os previstos nos contratos. Por outro lado, o Grupo Globo se colocará plenamente à disposição das autoridades americanas para que tudo seja esclarecido. Para a Globo, isso é uma questão de honra. Não seria diferente, mas é fundamental garantir aos leitores, ouvintes e espectadores do Grupo Globo que o noticiário a respeito será divulgado com a transparência que o jornalismo exige.

Comento
A gritaria na Internet — vocês sabem como são as redes se a gente der bola para tudo o que lá vai —  é grande e assegura, ora vejam, que a Globo, claro!, é culpada. Disso e de qualquer outra coisa. A esquerda nunca gostou dela. A direita rejeita o que entende ser sua guinada à… esquerda, especialmente no campo dos costumes e da adesão sem ressalvas ao politicamente correto. Os ressentimentos vão se acumulando. Tudo muito compreensível. Os mais elaborados enxergam uma conexão entre essa investigação, agora com acusação de um delator, e momentos de verdadeira glorificação do Ministério Público Federal e da Lava Jato. Também estaria na equação o "Fora, Temer!". Seria um peço a pagar a procuradores que já teriam identificado a pista do dinheiro.

Não vou me dedicar a essas especulações. Para efeitos de raciocínio, vou partir do princípio de que o tal Alejandro Buzarco está mentindo e de que a Globo fala a verdade. Isso evidencia que delatores, para livrar a própria cara, mentem, não é? Jogam com falsas evidências. Citam nomes. Apontam reuniões. Fornecem endereços. E, ainda que façam um depoimento verossímil, podem estar mentindo, certo?

Da nota da emissora, destaque-se o que é fato: em dois anos de investigação, não havia aparecido ainda o nome "Globo" ligado a falcatruas. Mas o texto também traz um trecho que merece destaque: "Em suas amplas investigações internas, apurou que jamais realizou pagamentos que não os previstos nos contratos".

Grandes organizações devem, claro!, realizar "investigações internas", mas é claro que a afirmação também se abre à possibilidade de que, caso tenha havido algum desvio, não contava com a anuência dos que estão no topo. Ou eles próprios poderiam asseverar que não houve irregularidade nenhuma, dispensando, para asseverá-lo, as "amplas investigações internas". As redes fazem troça: "A Globo investigou a Globo e assegura que a Globo é inocente". Trata-se de uma piada meio enfezada. É útil que se procedam às devidas investigações. Empresas gigantescas como essa, assim como governos, podem estar sujeitas a desvios sem que o comando tenha, com efeito, responsabilidade moral. No terreno legal, as coisas se complicam um pouco, mas não entrarei nisso agora.

Tenho sido, sim, um crítico do viés jornalístico abraçado pelo grupo Globo desde a pantomima armada pela holding "JJ&F". Não empregarei com a emissora, cá nos meus juízos singulares, critérios distintos dos que emprego para toda gente e para todos os entes sob acusação: vale a presunção da inocência.

Alejandro Buzarco acusa a Globo, assim como Joesley e Funaro acusaram Michel Temer.

Há várias posturas aí: há os que acham que são todos culpados; há os que acham que são todos inocentes; há os que acham que Temer é inocente, e a Globo, culpada; há os que acham que Temer é culpado, e a Globo, inocente.

O que eu acho? Que, perante a Justiça, são todos inocentes até que não se apresentem as provas da culpa. Nesses casos e em quaisquer outras. Inaceitável, aí sim, é que 1) a Globo declare a sua inocência congênita — não pode fazê-lo porque, nesse caso, iria se querer inocente ainda que culpada; 2) declare a culpa congênita de Temer — não pode fazê-lo porque, nesse caso, iria declará-lo culpado, ainda que inocente.

Presunção de inocência. Eis um princípio civilizador às vezes ignorado por veículos de comunicação.

A velha e boa democracia, com todos seus defeitos, ainda é a opção mais segura. Os atalhos nos expõem a todos à sanha justiceira.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.