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Reinaldo Azevedo

Os iluminados de Caetano, Letícia e Wagner Moura não veem país além e aquém da orla

Reinaldo Azevedo

02/08/2017 09h15

Wagner Moura, Letícia Sabatella e Caetano Veloso: longe do povo antes e agora

Leio na Folha que a deposição de Michel Temer é muito popular na casa de Caetano Veloso e Paula Lavigne. "Ozartista" que lá dão plantão têm na ponta da língua a receita para o Brasil.

Escrevo muito à vontade sobre esse assunto porque, como sabem meus leitores, posso ter noticiado uma coisa ou outra, mas jamais dei muita visibilidade àqueles que eram favoráveis ao impeachment de Dilma. Lembro-me de ter chamado a atenção para o fato de que havia um ou outro, registrando a estranheza: "Olhem, ainda há artistas que não caíram reféns das esquerdas"…

Mas a nenhum deles dispensei a condição ou de supercidadão ou de pensador. Não sendo uma coisa, a sua opinião tem a importância da de qualquer um; não sendo outra, não tem importância nenhuma. Ou deveria me dizer alguma coisa o fato de Caetano, Paula e Letícia Sabatella pregarem a queda do presidente?

Que amor seletivo tem essa gente pelo dinheiro público, não é mesmo?

Sim, há alguns artistas que tinham caído na "black list" de Ipanema, Leblon e Copacabana porque apoiaram a deposição da petista. Mas logo foram lá se ajoelhar no altar do casal mais poderoso do "Jegue Set" do pensamento nacional. Parte considerável é formada por assalariados da Globo. Aliás, no Projac e nas empresas do grupo, o "povo" também é bem "mais consciente": sabe muito mais do que a Dona Maria da padaria.

E não que eu seja do tipo que dê razão às Donas Marias só por serem quem são. Eu lhes atribuo o mérito, segundo o meu juízo, se o tiverem. Mas faço questão de distinguir um movimento que tinha povo — aquele em favor do impeachment de Dilma — de um que não tem: este que pede a saída de Temer.

Curiosamente, Wagner Moura estava gritando "golpe!". Vale dizer: ele e sua patota achavam que os manifestantes eram golpistas porque, embora aos milhões, pediam o que esses iluminados consideravam injusto. O ator, com a expertise que lhe é própria no assunto, pagou o mico de escrever um artigo negando que Dilma tivesse cometido crime de responsabilidade. Intolerante, resolveu processar quem o criticou, a exemplo do que fez com este escriba.

Ocorre que seu divórcio com o povo continua. Antes, os brasileiros estavam nas ruas, e ele estava nos bunkers culturais da esquerda acusando os adversários de golpistas. Agora, as ruas estão vazias, e Moura e seus amigos pedem o que, sem favor nenhum, é, sim, um golpe porque nasce de uma penca de ilegalidades.

Não! Eu não tenho uma dupla moral. Eu não me dedico ao "duplipensar". Com a devida vênia, não há jornalista ou militante de esquerda que tenha desmontado, com tantas minúcias, a sentença de Sergio Moro que condenou Lula, como fiz. Também sou aquele que criticou a condução coercitiva do ex-presidente. À diferença do que dizem fascistas de esquerda ou de direita, não passei a ser crítico da Lava Jato só quando ela chegou aos tucanos — até porque, já escrevi isto, dizer-me um "tucano" é uma tentativa de distorcer o pensamento tanto meu como dos tucanos… Ou a maioria do partido não estaria fazendo o papelão que vemos aí.

Sim, defendi o impeachment de Dilma porque a) ela cometeu crime de responsabilidade; b) perdeu as condições de governar. A questão era técnica e era política. Só uma dessas evidências não teria chegado a lugar nenhuma. Em 2005, a razão para o impedimento de Lula veio à luz. Por que não prosperou? Porque não teria dado em nada, contribuindo apenas para fortalecer o demiurgo. A denúncia jamais seria aceita pela Câmara dos deputados.

Aliás, já escrevi aqui, na Folha e em toda parte: sou grato a Dilma por ter cometido crime de responsabilidade. Ou teríamos sido forçados a aturá-la. Deus sabe aonde ela poderia ter chegado. O país já saiu do abismo ao menos. Com isso, sustento agora, como sustentei antes, que impopularidade não é motivo para depor um presidente. Temer nunca foi um presidente popular. Mas, apesar das brutais dificuldades, a governabilidade foi resgatada. Votou-se em pouco mais de um ano o que não se votou em seis — no caso da reforma trabalhista, rompeu-se um atraso de 74 anos… Se "ozartista", os petistas e os demais esquerdistas não gostam, bem, isso é outra coisa. Dilma nos dava recessão de quase 4% com inflação de 9,28%. A economia voltou a crescer, com inflação de 3,5%.

Infelizmente, os deslumbrados da Casa de Caetano não têm, compromisso, a não ser no discurso, com o que está além e aquém da orla. Pretendem exercer, em plena democracia e com a multiplicação imensurável de vozes proporcionada pela tecnologia e pelas redes sociais, aquele mesmo papel de iluminados que exerceram durante a ditadura. Acontece que, felizmente, vivemos numa democracia. Milhões de brasileiros podem ouvir a música do cantor e gostar dos filmes do ator, mas nem por isso com considerá-los guias morais.

De resto, no caso do tal site "342", o gato escondido com o rabo de fora logo se mostrou. A página pertence a um coletivo que é ligado ao tal grupo Mídia Ninja e, pois, ao PT e à CUT. Rostinho bonito ou carranca de pensador já não conduzem mais a opinião de ninguém. Especialmente quando, sob o pretexto de ser iluminada, ela se mostra sorrateira e comprometida com partidos e ideologias.

 

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.