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Reinaldo Azevedo

Pós-Joesley, procuradores e Janot tentam usar Lula e Aécio para lavar reputação da Lava Jato

Reinaldo Azevedo

01/08/2017 07h29

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, reduziu a cinzas a reputação da Lava Jato ao celebrar aquele acordo com Joesley Batista. E não é que o dito-cujo seja incompreensível para os simples e para os leigos, como é a presunção de inocência, por exemplo. Não! É inaceitável também, ou muito especialmente, para quem conhece as leis. Estão em curso várias ações que buscam recuperar parte ao menos da credibilidade perdida. É difícil. Parece que esse ser mitológico não voa mais.

É uma pena, já escrevi aqui. Poderíamos ter iniciado um caminho virtuoso de combate à corrupção, que passaria, inclusive, por mudanças legislativas graduais, por uma nova compreensão do Estado e de seus entes e por uma redefinição da relação do capital privado com o Estado. Ainda podemos, como país, fazer tudo isso. Mas, hoje, a Lava-Jato e suas estrelas atrapalham. Explico.

Esta segunda-feira foi um bom exemplo do destrambelhamento que toma conta da Procuradoria-Geral da República e da Força-Tarefa propriamente. Resta cristalino, evidente, escandaloso até, que o Ministério Público Federal quer usar o ex-presidente Lula e o senador Aécio Neves (PSDB-MG) para fazer proselitismo, não para fazer Justiça. E isso, em certa medida, é uma espécie de sentença moral de morte que Janot e os procuradores decretam contra a operação.

Resta inegável que Lula e Aécio são os dois nomes políticos mais graúdos sob investigação ou já sob a ação da Justiça. Um era o prócer do regime que criou o petrolão; o outro, o seu principal opositor — quando caiu nas malhas da operação ao menos. Janot, por incrível que pareça, sem que tenha surgido um miserável fato novo, resolveu pedir, atenção!, pela terceira vez!, a prisão do senador. E pelos mesmos motivos antes rejeitados por Edson Fachin, quando o caso estava na Segunda Turma, e Marco Aurélio, agora que está na Primeira.

Em decisão exemplar, Marco Aurélio observou que não estão dadas as condições que permitem a prisão preventiva de um senador: não foi preso em flagrante por crime inafiançável. Que se note: só o flagrante não basta. Ainda que os crimes de que o acusa Janot tenham sido cometidos — e não entrarei no mérito para que reste pura a questão técnica —, inafiançáveis não seriam.

Não é Marco Aurélio que quer assim, mas o Parágrafo 2º do Artigo 53 da Constituição. Apelando a uma interpretação capenga da lei, Janot topa, no entanto, trocar a preventiva por medidas cautelares, o que implicaria o afastamento de Aécio de seu mandato: tornozeleira eletrônica, prisão domiciliar, proibição de falar com outros investigados. Mas esperem: segundo o Parágrafo 1º do Artigo 283 do Código de Processo Penal, as medidas cautelares, previstas no Artigo 319, não se aplicam à infração a que não couber, originalmente, pena de prisão. Como demonstrado está que Aécio não poderia ser preso, o resto não faz sentido.

Não agem melhor os procuradores que contestam a pena imposta por Sérgio Moro a Lula e a outros implicados no tal caso do tríplex. Tudo soa um pouco ridículo, mas o valor da multa pedida pelos doutores é de trincar catedrais. Moro já aplicou por um suposto benefício irregular de R$ 2,2 milhões uma pena pecuniária de R$ 16 milhões. Os doutores acham pouco e querem R$ 87,6 milhões. Também pedem aumento do tempo de prisão. A presunção, no fim das contas, é que assim deve ser porque Lula exerceria papel de comando. Mas isso, reitero, está em outro processo: diz respeito ao inquérito que está no STF.

Pior: para pedir tais agravamentos, os procuradores citam contratos de consórcios integrados pela OAS com a Petrobras. Ocorre que, ao responder aos embargos de declaração, Moro já declarou que não os levou em conta, embora os tenha usado como referência para aplicar a multa. De novo, como fiz com Aécio, não entro no mérito: é razoável que se peça uma multa de R$ 87,6 milhões por um suposto ganho ilegal de R$ 2,2 milhões?

Janot e os procuradores tentam salvar a cara da Lava Jato jogando a massa contra os políticos. Não vai adiantar. Hoje, eles também são vítimas do espírito que ajudaram a criar.

Outras iniciativas
E não se tenta apelar apenas ao populismo judicial, não! Entrevistas estão sendo concedidas às pencas, num esforço de mobilizar as ruas.

A verdade é uma só: enquanto o ex-maior bandido do Brasil, Joesley Batista, estiver solto por aí, os brasileiros hão de lembrar que, no país, o crime compensa, especialmente quando um criminoso inigualável se depara com Deus na forma de um procurador-geral, que decide quem vive e quem morre no Brasil.

Sim, parcelas consideráveis repudiam hoje a política e quase todos os políticos. Têm um justo ódio da corrupção. Mas também desconfiam, ainda que não preencham com estas palavras tal desconfiança, que a Lava Jato não buscava exatamente punir bandidos, mas fazer política.

Ah, sim: no papel do Altíssimo, Janot é bem mais generoso do que o Senhor bíblico: aquele acenava com o reino dos Céus, depois da morte. O procurador-geral garante o paraíso na Terra: no iate, em Nova York, na China…

Não há lugar ruim para um ex-criminoso abençoado por Janot.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.