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Reinaldo Azevedo

Pós-verdade: Globo, na sanha anti-Temer, ataca até a candidata à PGR que tem o melhor currículo

Reinaldo Azevedo

28/06/2017 07h46

Segundo o "Jornal Nacional", da Globo, a Procuradoria Geral da República virou, quem diria?, reduto do PMDB. É um desses despropósitos que nem errados estão, dado o tamanho da bobagem. Vamos ver.

Acho que, a esta altura, ninguém duvida do engajamento da Globo na queda de Michel Temer. Parece ter virado uma questão de honra por lá. É claro que nem todos os profissionais estão empenhados na tarefa — e é evidente que não vou aqui nominar as exceções. Quem ainda não sabe do que falo deve assistir ao Jornal Nacional de ontem.

Uma questão está posta aos senhores políticos, sejam congressistas, governadores, prefeitos etc: há quem consiga sobreviver politicamente à oposição da Globo? Vamos ver o que acontece com Temer. Se cair, a resposta será "não". E então se poderá concluir que ao menos um partido político terá sobrevivido à voragem: o PGMPF (Partido da Globo e do Ministério Público Federal). Governará o país sabe-se lá por quanto tempo. A dúvida hoje é saber se o PT entra como aliado ou como adversário desse potentado. Mas não me dedicarei a isso agora. Quero voltar ao meu lead.

Em meio à sanguinolência editorial, feita de atropelos, ligeirezas e editorialização rasgada, disfarçada de informação objetiva, houve espaço para uma reportagem que atinge em cheio a reputação e a dignidade de quem tem relevantes serviços prestados ao Ministério Público Federal. Refiro-me à procuradora Raquel Dodge, que tem uma carreira decente, limpa, com formação intelectual invejável. Vamos ver.

A ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) realizou ontem a eleição para a formação de uma lista tríplice de candidatos a procurador geral da República. Ao todo, eram oito candidatos. Cada um dos filiados à ANPR pode escolher até três nomes. Os mais votados foram Nicolao Dino, com 621 votos; Raquel Dodge, com 587, e Mário Bonsaglia, com 564.

Tenho ganas aqui de debater a afirmação a repórter, segundo quem "a importância dessa escolha é que o próximo procurador é quem vai levar a Lava Jato adiante a partir de setembro, quando termina o mandato de Rodrigo Janot". Do balacobaco! Então aquele que vai chefiar o Ministério Público da União (e não apenas o MPF) está reduzido a um papel realmente importante: a Lava Jato. É de trincar catedrais.

Mas vamos adiante, apelando a um pingue-pongue — a Globo é o pingue:
Pingue:  "O mais votado, o primeiro mais votado, Nicolao Dino, era o candidato de Janot, e o resultado mostra a força do atual procurador-geral da República no Ministério Público".
Pongue: O procurador-geral adotou Nicolao Dino. Não era o seu candidato até porque o nome de Janot era.., Janot. Tentou derrubar Temer em uma semana para se impor como o procurador-geral pela terceira vez. E não! Não está evidenciada a força de Janot. Muito pelo contrário. Provo:

Votaram 1.108 procuradores. Sim, 56% escolheram como um dos três nomes aquele que o doutor resolveu adotar na reta final da disputa. Mas calma lá! Nada menos de 53% botaram na sua lista o nome que Janot não queria de jeito nenhum: Raquel Dodge. Não estou aqui a dar uma opinião, mas informações: quem votou em Dino pode, eventualmente, tê-lo feito por orientação de Janot, Mas será exceção. O fato é que candidato tem sua própria base na ANPR. Quem votou em Raquel, aí sim, estava repudiando os métodos do atual titular da PGR.

E que se note: nem me refiro aos métodos empregados na Lava-Jato. Trato daqueles que ele aplica na gestão do MPF e do MPU. Há dias, nós o vimos avançar para cima de Raquel como um tanque de guerra porque ela ousou contestá-lo. Mais informações: Janot pediu, sim, alguns votos para Dino, mas o que ele fez mesmo foi lobby contra Raquel. Sim, ele ligou para procuradores, e sabe que falo a verdade, pedindo que ignorassem a candidata.

Mesmo assim, a diferença entre Raquel e Dino foi de apenas 34 votos. Ora, se cada eleitor poderia escolher três nomes, aquele que contava com o apoio, ainda que de última hora, de Janot deveria contar com mais musculatura se a popularidade do chefão estivesse em alta. Mas isso não é verdade. Há, inclusive, quem aponte uma certa anarquia administrativa no órgão. Obra de Janot. Vamos a mais um pingue da Globo.

Pingue: Em  segundo lugar, ficou Raquel Dodge, subprocuradora da área criminal. Ela tem o apoio de políticos da cúpula do PMDB, inclusive de alguns investigados na Lava Jato.
Pongue: com a máxima vênia, é uma irresponsabilidade. Ainda que tal apoio fosse verdadeiro, a cúpula do PMDB não vota na ANPR, tampouco os "investigados". Trata-se de uma pós-verdade, de uma verdade alternativa, de uma invencionice. Ora, cumpriria à emissora dizer que Dino conta com o apoio de setores do PT, inclusive de investigados da Lava Jato, e de outros partidos de esquerda. Ele é irmão do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB).

Pingue: O terceiro mais votado foi Mário Bonsaglia, que atua também na área criminal, no STJ. Na última eleição, em 2015, ele foi o segundo mais votado. Agora, os três nomes vão ser encaminhados para o presidente Michel Temer. Ele não tem data, não tem prazo, para fazer essa escolha nem é obrigado a indicar o novo procurador-geral a partir dessa lista, mas, desde 2003, todos os presidentes têm escolhido o mais votado da lista tríplice. Em maio do ano passado, Temer informou, pela assessoria dele, que iria manter essa escolha do mais votado da lista. Hoje, a gente perguntou sobre isso novamente: a assessoria do Palácio do Planalto informou (sic) que não iria comentar. Depois da indicação do presidente da República, o nome do novo procurador precisa ser aprovado por maioria absoluta no Senado.
Pongue: notem que Bonsaglia também não merece nenhuma referência negativa. A eleita para levar pancada foi mesmo Raquel, a desafeta de Janot — o que, parece, contaminou o humor da Globo. Faltou informar que o presidente não precisa escolher um nome da lista porque essa eleição é uma invenção do Ministério Público Federal. O Artigo 84 da Constituição — de que procuradores deveriam ser… procuradores! — faculta a indicação exclusivamente ao presidente. A palavra final será do Senado. Chega a ser engraçada a afirmação de que, desde 2003, "todos os presidentes (sic) têm escolhido o mais votado". TODOS? SIM, TODOS OS DOIS: LULA E DILMA!!!

Essa eleição direta, realizada apenas por membros do MPF, foi uma conquista da ala petista do MPF, que conseguiu arrancar de Lula o compromisso de que escolheria o mais votado da lista. O primeiro "eleito" foi o companheiro Cláudio Fontelles.

Como se nota, até numa simples reportagem sobre a formação da lista tríplice por uma associação sindical, há o ânimo de confrontar o presidente.

Comparem
Comparem os respectivos currículos dos três candidatos. Sem demérito aos dois outros concorrentes, o de Raquel, que é mestre em direito por Harvard, é melhor. E é indigno que se tente associar seu nome a alguma manobra contra a Lava Jato. Parece que se quer, a todo custo, impor ao país um outro presidente. Enquanto não acontece, tenta-se impor a Temer o futuro procurador-geral.

Bem, é desnecessário dizer que, se presidente eu fosse, dada a Constituição, só escolheria um nome da lista se coincidisse com a minha primeira escolha. Uma entidade não pode se outorgar o direito de fazer uma lista tríplice ao arrepio da Carta e exigir que o escolhido seja o primeiro. A menos que a ANPR queira usurpar um poder presidencial. Mas justiça se faça: a ANPR está reivindicando que seja um dos três. O "Jornal Nacional" é que resolveu indicar… Dino!

Para encerrar: a continuar essa eleição, é preciso moralizar a coisa: afinal, os membros do Ministério Público do Trabalho, do Ministério Público Militar e do Ministério Público do DF e Territórios, que também compõem o Ministério Público da União (junto com o MPF), têm  de ter o direito de votar e de ser votados. Que a eleição seja informal, já é um despropósito; que divida o MPU em duas categorias, a dos nobres e a dos plebeus, aí já é demais. Se é para triunfar o corporativismo, que ao menos se evite a criação dos membros de segunda classe.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.