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Reinaldo Azevedo

Maia deveria dizer, então, em que área o governo deve cortar. Ou crítica vira conversa mole

Reinaldo Azevedo

31/07/2017 03h41

Sempre que alguém me pergunta se sou favorável ao pragmatismo em política, respondo assim: "Depende do que você vai fazer com a caneta. Vai transcrever um soneto de Camões, mandar uma mensagem de amor, ou vai usá-la para enfiar na jugular de alguém?" Faz-se política no mundo real, não no ideal. Assim, convicções têm de ser moduladas por Sua Excelência os fatos. Mas isso não pode significar a morte da vontade. É um equilíbrio delicado.

Definitivamente, não me agrada a atuação do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, quando recorre às redes sociais — essa nova tribuna dos homens públicos, onde se pode disparar à vontade, inclusive contra a gramática, provocando alaridos de estupidez de apoio e repulsa — para criticar a eventual revisão da meta fiscal. E vou dizer o que me incomoda, como sempre, com objetividade.

Disse ele no sábado:
"A minha posição é que a meta fiscal fique onde está. Não é correto gerar mais [R$] 30, 40, 50 bilhões de gastos para a população pagar".

Ah, não me diga! Até aqui, estamos com a cartilha do bom liberal, certo, Maia? Quem paga o déficit é a população.

E ele vai adiante:
"Se nós não temos condição de cumprir a meta, que se construa (sic) as soluções, mas não aumentando os gastos. Todo mundo tem o seu orçamento e precisa viver dentro do seu orçamento. A União, os Estados e municípios também."

Perfeitamente! Sabem o que esse texto revela, além de um erro de concordância em razão do desconhecimento do emprego do "se" como partícula apassivadora do sujeito — voz passiva sintética? Nada! Ou significa: Maia está tirando mais uma casquinha da crise em proveito próprio.

Quando candidato à Presidência da Câmara — o que só foi possível em razão da omissão do Supremo —, ele recorreu às redes para pedir o apoio de Temer ou preferiu fazê-lo na base dos desembargos auriculares, das conversas pessoais, dos bastidores e interiores? A resposta é óbvia.

No caso, o presidente da Câmara está jogando para a galera.

"Que se CONSTRUAM soluções?" Perfeitamente! Quais soluções? Só há um jeito de anabolizar as receitas: mais imposto. O governo, no caso, atuou onde a lei permitiu. E não há mais manobra possível nessa área. E não! Maia não defendeu o reajuste, é claro. Afinal, um liberal do Democratas tem de ser contra aumento de impostos, certos?

Então há de se passar o facão nas despesas. Aí o deputado apela àquela comparação rasteira, do mais vulgar populismo lulista, mas que a direita aborrecida adora propagar também: o tal orçamento doméstico. É uma porcaria de metáfora porque há milhões de brasileiros que estão devendo, parte considerável inadimplente, ou porque têm o olho e a ambição maiores do que o bolso, ou porque, entre ter a fama de devedor, de caloteiro, e passar por privações (ou submeter os filhos a elas), escolheu a primeira alternativa.

Vamos fazer o seguinte? Em vez de construir frases de efeito para agradar a noviços do que chamo "liberalismo de mercado", Maia, com o poder que tem, pode se reunir com o presidente da República e com o ministro da Fazenda, com quem estaria tricotando amiúde, e propor cortes específicos. Onde é que a casa chamada "Brasil" está desperdiçando dinheiro e pode, efetivamente, cortar? E, claro, ele se compromete a buscar apoio junto a seus pares, na Câmara, para endossar o facão.

Mobilizar a opinião pública contra o óbvio, mas em favor do nada — da proposta nenhuma! — é um desserviço que se presta ao Brasil e aos brasileiros.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.