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Reinaldo Azevedo

Rodrigo Maia, em fala absurda, ameaça o governo. Resta agora saber se foi loucura ou método

Reinaldo Azevedo

21/09/2017 09h36

Que diabos se passa com Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara? Ainda voltarei à questão. Uma coisa é certa: a cada vez que o presidente Michel Temer se ausenta do país, ele se comporta de modo, vamos dizer, polêmico. Desta vez, recebeu cineastas e políticos de oposição ligados ao "Fora Temer". Nesta quarta, falando como se não houvesse amanhã, atacou o presidente, o governo, fez ameaças… Tudo porque o Palácio, por intermédio de dois ministros, teria cortejado, em favor do PMDB, políticos que estão se desligando do PSB… Sei lá por qual razão divina Rodrigo acha que o caminho natural dos dissidentes é o DEM.

E, aí, ele não economizou. Ouçam. O áudio tem duas falas, na mesma ocasião. A do comecinho, tem o som ruim. Depois melhora.

https://www.youtube.com/watch?v=4iP2E9k8l5g&feature=youtu.be

Como se vê, não faltou nem a metáfora-clichê da traição: "facada nas costas".

Pergunto: quem dá facada em quem nesse caso? Quando o presidente viajou para reunião do G20, Maia, entre outras delicadezas, jantou com um vice-presidente do grupo Globo, empenhado, como se sabia, em depor o mandatário. Saiu de lá e se reuniu com deputados, passando as impressões, então, do que chamou "gente importante": elas diziam que o presidente não teria como resistir no poder.

Todos vimos nos jornais e sites até o ministério de Rodrigo Maia…

Como ler estas palavras?
"O presidente fez questão de jantar na residência da Câmara comigo e falar que não havia nenhum interesse do PMDB nos parlamentares do PSB. E, nas últimas semanas, o que a gente tem visto é o contrário, inclusive com a participação do ministro Moreira Franco e no ministro Eliseu Padilha na filiação do ministro Fernando Coelho [que deixou o PSB]. Então, se é assim que eles querem tratar um aliado, eu não sei o que é ser adversário. Então eu quero que isso fique registrado porque depois, quando a bancada do Democratas tiver em alguma votação uma posição divergente daquilo que o governo espera, que o governo entenda que há uma revolta muito grande dentro da nossa bancada — não virou rebelião ainda, mas é uma revolta muito grande — porque a gente não esperava, com a presença do presidente da República na residência do presidente da Câmara, desmentindo que a visita dele [de Temer a uma deputada] tinha sido para levar deputados para o PMDB, e depois a gente vê a ação do presidente do PMDB, junto com dois ministros do governo, fazendo exatamente o contrário, isso tem de ficar registrado, porque… que relação nós queremos? (…)"

Se isso é fala de um aliado, então não sei o que é ser adversário… Há tantos erros e absurdos aí que mal sei por onde começar.

– Maia não recusou as digitais do governo (para usar palavra sua), inclusive as de Moreira Franco, que é padrasto de sua mulher, para elegê-lo presidente da Câmara. E olhem que o adversário seu também era da base de apoio. Mais: seu pleito era inconstitucional. O Supremo, por intermédio de Celso de Mello, decidiu se omitir. A vedação à reeleição está na Constituição e no Regimento Interno da Câmara;
– que lei da natureza indica que os parlamentares que abandonarem o PSB têm no DEM o seu lugar natural?;
– é claro que o que vai acima é uma ameaça:
– na fala, caso ouçam a íntegra, Maia diz já ter mandado um e-mail ao presidente, restando a sugestão de que emite "diktats". Bem, se mandou, que esperasse, então, a resposta de Temer, ainda que se sua reclamação fizesse sentido, não é mesmo?;
– mais: parece ético que um presidente da Câmara trate membros de outros partidos como damas, se é que me entendem, a serem cortejadas? Não creio.

Notem que pelo "aplomb", quem fala ali é o presidente da Câmara, certo? Faz questão de deixar claro que foi Temer quem quis jantar com ele. Ao mesmo tempo, deixa escapar uma "revolta muito grande na NOSSA bancada". Bem, aí já fala o chefe de facção. O DEM não tem líderes? Não tem presidente?

Curioso esse Rodrigo Maia: quando janta com ou recebe líderes do "Fora Temer"; quando acena ao mercado financeiro com um discurso que sugere que o governo é fiscalmente irresponsável; quando dá a entender que o Planalto faz opções erradas; quando deixa claro que não moverá uma palha, ainda que no espaço institucional, em defesa de Temer, o aliado, ele evoca, então, a figura institucional do presidente da Câmara. Quando tem de lavar roupa suja, na ausência do presidente, aí baixa o chefe de facção?

Saibam que, em certos "bunkers", a sanha golpista ainda não passou. Espero que a fala de Maia seja só destempero, um mau momento, não um cálculo e uma concertação.

No seu destampatório, tenta a simpatia dos mártires para o seu DEM: seu partido estaria votando em pautas difíceis, impopulares… E dá a entender que faz isso em benefício de Temer. É curioso. Maia é um dos queridinhos do mercado financeiro. Quando fala aos bravos, ele dá a entender ser bem mais duro e mais austero do que o governo. Aquele discurso é incompatível com esse.

Escrevi aqui em julho que Maia tinha sido picado pela mosca azul. Agora, não sei. Seria a mesma mosca, com alguns detalhes platinados?

Essa turma tem de se conformar. O presidente Temer, a menos que algum delator resolva aderir aos métodos consagrados por Rodrigo Janot, não vai cair.

Para encerrar
Ao fazer suas ameaças, os jornalistas perguntaram o óbvio: ele estava acenando com a possibilidade de os deputados do partido votarem a favor da denúncia contra Temer? Ah, ele descartou. Assim: "Cada deputado vota de acordo com a sua consciência".

Entendi.

Quem quer proibir o PMDB de conquistar parlamentares do PSB em nome da fidelidade entre aliados poderia dizer outra coisa. Que tal isto: "O DEM vai votar contra a denúncia porque ela é inepta, porque ela traz fatos anteriores ao mandato, porque ela elenca eventos que ainda estão sob investigação".

Ah, mas isso Rodrigo Maia não diria porque não seria, como é mesmo?, comportar-se como um magistrado, certo?

Ele só se esquece de sua toga simbólica quando é para encostar a faca não nas costas, mas no pescoço do presidente.

Lamentável que tenha dito o que disse que tenha sido sob a sua interinidade que a reforma política tenha ido para o brejo

Pelo visto, o magistrado se ocupava do mercado de dissidências e filiações.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.