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Reinaldo Azevedo

Rosa vira a heroína dos jornalistas que opinam sem ler e que tornam o público escravo da fofoca

Reinaldo Azevedo

24/10/2017 17h18

Pelourinho, gravura de Debret, 1827.

A ministra Rosa Weber, oriunda da Justiça do Trabalho, é bom lembrar, virou a heroína dos jornalistas que não leem portaria, mas que estão afinados com o bem, com o belo e com o justo. E que jamais vão contrariar aquela doce esfera de ignorância bem-intencionada dos botecos, em que os humanismos dos copos de cerveja se estreitam num abraço insano.

A mulher suspendeu a portaria que, atenção!, não REDEFINE o que é trabalho escravo, mas, como bem notou o Estadão num editorial, teve a valentia de defini-lo. E, sim, ora, ora, cometeu a ousadia de tirar de um fiscal do trabalho duas prerrogativas que ele não pode ter:
a: a de autuar alguém por trabalho escravo só porque lhe deu na telha fazer justiça com as próprias mãos;
b: a de não autuar um eventual explorador de trabalho escravo.

Supor que a prerrogativa "b" anula a prerrogativa "a" é coisa de energúmenos. É mais ou menos como admitir que uma força policial possa contar com alguns policiais assassinos porque, afinal, também conta com alguns heróis.

A Portaria 1129 está aqui . Topo debater com quem quiser. Sem claque. Quero que demonstrem onde está a justificativa do trabalho escravo.

A afirmação de que o texto atende a uma chantagem dos ruralistas para votar contra a denúncia oferecida por Rodrigo Janot contra Temer é uma mentira e uma indignidade. Tragam uma evidência que seja. Obviamente, não há. Porque isso é coisa de escravos da fofoca  — ou, sei lá, "senhores da fofoca". Escravo é o distinto público.

Raquel Dodge voltou a se manifestar contra a portaria. Até agora, ela só não se manifestou contra procurador que faz campanha pública contra o STF. Se não tomar cuidado, vai ser engolida. Ela também deveria dizer que trecho do texto colabora com o trabalho escravo. Mas não vai fazê-lo.

A doutora, claro!, diz aquelas palavras que fazem salivar os idiotas da obviedade:
"A efetiva proteção ao trabalho concretiza um meio de assegurar ao ser humano um patamar mínimo de dignidade: a defesa do direito do trabalho é indissociável da própria defesa dos direitos humanos", diz a magistrada na decisão.

Quem é contra?

Escreve Rosa:
"Por fim, a Portaria aparentemente afasta, de forma indevida, do conjunto das condutas equiparadas a trabalho realizado em condição análoga à de escravo, as figuras jurídicas da submissão a trabalho forçado, da submissão a jornada exaustiva e da sujeição a condição degradante de trabalho, atenuando fortemente o alcance das políticas de repressão, de prevenção e de reparação às vítimas do trabalho em condições análogas à de escravo."

Ela não leu a portaria. Como não a leram os jornalistas a babar ignorâncias. O Artigo 1º, com efeito, define os conceitos de "I – trabalho forçado", "II – jornada exaustiva", "III –  condição degradante", "IV – trabalho análogo à escravidão". O link vai acima. Os conceitos não são excludentes. Ao se caracterizar o dito "IV – trabalho análogo à escravidão", repetem-se os respectivos conteúdos dos incisos I, II e III.

A leitura estúpida que se está a fazer é que um trabalhador em "situação degradante" não estraria na condição de "trabalho análogo à escravidão". É mentira. Basta ler o que lá vai:
"III – condição degradante: caracterizada por atos comissivos de violação dos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador, consubstanciados no cerceamento da liberdade de ir e vir, seja por meios morais ou físicos, e que impliquem na privação da sua dignidade."

Um trabalhador impedido de ir e vir, em situação degradante, está reduzido a uma situação análoga à escravidão.

Querem reorganizar o texto, de modo a ficar claro que os incisos I, II e III detalham o Inciso IV, ok. Afirmar que são excludentes é coisa de mentirosos ou de energúmenos. Não me perguntem o que é mais frequente hoje em dia no mercado de opinião.

O texto apenas impede que seja um fiscal de trabalho, do MST ou do MTST,  a decidir, sozinho, que um refeitório que não esteja a seu gosto caracterize trabalho escravo. Ou que um larápio que leve bola de um explorador da mão de obra alheia faça vistas grossas a uma pratica realmente análoga à escravidão.

O governo vai rever a portaria para corrigir o problema que não existe, criado pela militância de esquerda e propagado por oportunistas, idiotas e vigaristas.

 

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.