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Reinaldo Azevedo

Silêncio em Banânia, com rojões de desespero

Reinaldo Azevedo

23/02/2017 22h19

Baixou o silêncio em Banânia. Alguns rojões de desespero explodem no céu como uma espécie de desaforo. A alegria represada é engolida, e um súbito vazio toma conta das consciências. Falei com um amigo enquanto a Marselhesa era tocada. Liguei para provocar: "Há um revolucionário adormecido em mim; não deixo de me emocionar com aquele banco de sangue em versos". Ele riu: "Vamos perder. Somos fregueses da França". Eu me despedi dizendo qualquer coisa como um "Tomara que não!". Ainda antes comentei a faixa contra o racismo aberta em campo. Achei um mau presságio. Protestos dessa natureza mobilizam sentimentos de solidariedade dos que estão historicamente por baixo e açula o complexo de inferioridade. Não se vai para uma disputa sem sentir gosto de sangue na boca. Thierry Henry fez o gol. Negro. E aquele que disse que o Brasil é bom no futebol porque, em vez de ir pra escola, fica jogando bola na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapé. Ele estudou oito horas por dia. Os nativos reagiram indignados. A gente não consegue deixar de ser escravo. E isso não tem nada a ver com a história. É complexo de vira-lata mesmo. Thierry sabe a diferença entre a civilização e a quase barbárie em que vivemos, de que o futebol pretende ser a única ilha de excelência. A chamada "crônica" especializada, que já havia nomeado Kaká o comandante em campo (pfui…), vai cair de pau em Parreira. Besteira. Esses babacas acham que nos faltou mais ginga. Não! Faltou Zidane, alguma herança cartesiana (mesmo o homem sendo um pied noir, vindo da colônia. Mas sabem cumé… Os franceses oprimiam os povos distantes com sua escola. Depois eles foram expulsos, e os nativos preferiram o confronto tribal. Dava para ver o geômetra em campo, jogando sozinho, como que protegido por um campo de força. Não havia nada de místico: pura racionalidade, ocupação dos espaços vazios. É assim que funciona. Ah, sim: se eu vir Ronaldinho Gaúcho fazendo malabarismo com bola em sinal de trânsito, não dou a ele um tostão. Fecho o vidro.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.