Topo

Reinaldo Azevedo

Temer dribla pressões e recupera prerrogativa plena de mudar Ministério quando achar melhor

Reinaldo Azevedo

16/11/2017 07h58

Michel Temer: da arte de mobilizar aliados em vez de arrumar adversários por nada

É bem provável que o presidente Michel Temer não faça, então, toda a reforma ministerial até meados de dezembro, hipótese com a qual ele mesmo havia acenado. E acabo de ler que se trata de um recuo — ou, como quer um crítico, "mais um". Será mesmo?

Já afirmei que acho curioso que os jornalistas subestimem de forma tão determinada a inteligência de Temer. Aquele que, durante o impeachment, era visto como figura cerebrina, dando a essa palavra carga negativa; que era tido como calculista; que seria dado a conversas melífluas, mirando seu próprio interesse… Bem, esse sujeito, de repente, teria se transformado num parvo, não é? Diz que vai fazer uma coisa, anuncia, depois recua, a exemplo do que se viu em seu pronunciamento sobre a reforma da Previdência.

Será mesmo assim? Então vamos pensar.

Sempre acho um tanto engraçado quando se supõe que um poderoso é tolo ou inábil. Antes que continue, sei que vão perguntar: "E os cinco anos de Dilma Rousseff?" Respondo: ela nunca existiu! Quem existia era Luiz Inácio Lula da Silva. Quando ela resolveu ser por si mesma e por sua própria conta, caiu. E que se note: não teria caído se tivesse ouvido o antecessor, que queria Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda. Sim, ela cometeu crime de responsabilidade. Mas só caiu porque conduziu a economia ao caos. Voltemos ao ponto.

Lula, diga-se, é personagem frequente de um engano. A direita xucra se ofende quando afirmo tratar-se de um dos políticos mais inteligentes do país. Os xucros, por incultos, confundem inteligência com cultura. São coisas distintas. Aliás, existe até a modalidade do culto pouco inteligente. É aquele indivíduo ilustrado, quase sempre viajado, que sabe reconhecer obras de referência dos mais diversos campos do saber, que até sustenta um papo agradável, mas que se revela incapaz de ter uma única ideia original. Inteligência está ligada à capacidade de entender o que está em curso e dar uma resposta. A cultura é repertório. Se juntas, tanto melhor. Mas isso não quer dizer que gênios possam ser bons políticos. A inteligência também é instrumental: afinal, o que se quer? Qual é o objetivo?

Então voltemos ao presidente. Alguns figurões que o cercam — ou, sei lá, rondam — e com trânsito na imprensa, como Rodrigo Maia (DEM-RJ), que preside a Câmara, decidiram pressionar o mandatário em favor de uma reforma ministerial porque, como disse Maia em entrevistas, com aquele ar caracteristicamente entediado, "é preciso reorganizar a base".

"Ah, é preciso? Então que seja reorganizada", disse o presidente. E deixou circular a informação de que ele iria encerrar 2017 com a reforma ministerial feita. Maia espalhou que era até uma pré-condição para eventualmente se aprovar a reforma mitigada da Previdência. Mas, como diria o Conselheiro Acácio, as consequências vêm depois.

Estima-se que pelo menos 17 ministros devam disputar eleições. Têm até abril para ficar no cargo. Em razão dessas pressões, Temer estaria disposto em antecipar a mudança em quatro meses. O que eles ganham com isso, além de nada? E, ora, vejam, os próprios partidos reagiram e fizeram ver a Maia que o DEM não é a única legenda da base — e está longe de ser a maior.

Ao anuir com a proposta de reforma imediata, Temer deu a entender que, por ele, tudo bem!, jogando para os próprios partidos a arbitragem. Ora, ministros costumam ser figuras mais ou menos ilustres dentro de suas próprias legendas e estão sempre perto do comando. Agradar Maia implicaria desagradar um monte de gente. Então se tirou do horizonte a pressão. Pronto! O presidente recuperou a iniciativa a pedidos.

Em vez e comprar briga, arrumou aliados.

Não foi assim também com o pronunciamento sobre a reforma da Previdência, com um monte de gente olhando para o outro lado, fazendo de conta que a questão inexistia? Então ele fez o necessário e disse: "Se o Congresso não quiser, se a imprensa não quiser, se a sociedade não quiser, não se faça. Mas eu quero".

Veio a reação da economia; ficou claro que, sem a reforma, o futuro não será nada lisonjeiro. E a pauta foi retomada.

Convém não tomar a habilidade como hesitação para que, um dia, a hesitação não venha a ser vista como habilidade.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.