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Reinaldo Azevedo

TSE: Não caia na conversa golpista de que decisão não foi técnica. Foi! Explico por quê

Reinaldo Azevedo

10/06/2017 00h18

Herman Benjamin: o único a fazer um voto político foi ele próprio. Mas venceu a técnica

Bem, meus caros, apesar da gritaria da direita xucra e de alguns vigaristas que se especializaram na própria psicopatia, o fato incontestável é que se tomou uma decisão que privilegiou a técnica. Não! Nem todos que discordam dessa afirmação são vigaristas ou psicopatas. Pode-se divergir de boa-fé. E se pode cometer um erro que considero, vamos dizer, legítimo. Vamos lá.

O que se fez nesta sexta foi concluir o julgamento de um troço chamado "Aiji" — Ação de Investigação Judicial Eleitoral. Outra havia no tribunal, que acabaram se juntando numa só. O prazo para ajuizamento da "Aiji" se esgota com a diplomação do eleito. Já o da "Aime" — Ação de Impugnação de Mandato Eletivo — se estende até 15 dias depois da diplomação. Como, no fim das contas, tudo ficou sob o mesmo guarda-chuva, que se considere, então, o prazo dilatado.

Vamos ver: por que existe o tal prazo e por que ele tão curto? Já expliquei aqui: o que se pretende é privilegiar a vontade do eleitor, e o que faz a Justiça Eleitoral é verificar se tal e qual procedimento impediam ou macularam esse exercício. Se alguém diz que "sim" e pede a intervenção do tribunal eleitoral, então é preciso já que faça o elenco de fatos a ser considerado. E esse elenco termina no ajuizamento.

Não para o ministro Herman Benjamin — que contou com a concordância de Rosa Weber e com a mudança radical de opinião (por quê?) de Luiz Fux. O relator resolveu superestimar o Artigo 23 da Lei Complementar 64/90, que define, em consonância, diga-se, com jurisprudência do Supremo:

"Art. 23. O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral."

Sim, ok. Eis um artigo que deveria ser banido da legislação porque permite interpretações as mais marotas. O juiz pode atentar, sim, até para questões não-alegadas pelas partes desde que se atenha ao marco temporal.

Benjamin não quis nem saber. O negócio dele era cortar cabeças. Que marco temporal o quê! Ele leu no Artigo 23 e na jurisprudência do STF o seguinte: "Se existe a livre apreciação de fatos públicos, então Deus está morto". E a prova provada também!

Como bem observou o Estadão em editorial nesta sexta, Benjamin transformou uma corte eleitoral numa corte penal e, agora digo eu, entregou-se ao proselitismo mais desbragado. É claro que fez a festa com as delações de Marcelo Odebrecht e João Santana. Ocorre que esses são os chamados fatos supervenientes, que não podem ir sendo agregados a uma ação de caráter eleitoral, cujo prazo de ajuizamento tem prescrição constitucional.

Seu voto, que não dispensou, com frequência, o estilo passivo-agressivo, parecia destinado a nos dizer que essa ordem legal pouco importa. O que realmente é relevante, ora vejam!, é combater a corrupção.

"Ah, mas a Odebrecht já aparecia no enredo àquela altura…" É verdade! Na fala de alguns delatores, a empresa era uma fonte pagadora de propina — e isso vai tocar, trato em outro post, na impostura de que foi vítima o ministro Gilmar Mendes. Acontece que a Odebrecht que saiu da boca de Marcelo em delação premiada não é aquela mesma do fim de 2014. De jeito nenhum! Havia uma diferença brutal entre a empresa acusada de pagar propina a partidos, no plural, e aquela outra que teria transferido mais de R$ 300 milhões só ao PT.

Como observou Mendes em seu voto, os depoimentos dos executivos evidenciaram um esquema de corrupção já vigente em 2014 envolvendo a empresa, mas não comprovam de maneira inequívoca que os recursos desviados foram para a campanha de 2014. "Mas o que importa isso?" Ora, se isso não importar… Afinal, o que se pedia era a cassação da chapa vitoriosa em 2014, não a de um ano qualquer.

Nas palavras de Gilmar Mendes:
"Não estou a negar, de forma meramente imaginária, que pelo menos parte desses recursos foram repassados à campanha presidencial da chapa Dilma-Temer, mas apenas concluindo, a partir das provas produzidas nos autos relacionados à causa de pedir da inicial, que o arcabouço probatório não se revela suficientemente contundente para se chegar a severas sanções, porque a prova desses autos está lastreada, em grande parte, em testemunhas que são colaboradores premiados em outras instâncias do Poder Judiciário".

Eis aí: queriam derrubar um presidente da República, num tribunal eleitoral, com conteúdo oriundo de um processo penal, que ainda está sob investigação. Tá… Digamos que não fosse tão feio: os elementos contundentes a justificar essa condenação vieram à luz depois do prazo estabelecido por lei.

É uma formalidade?

Claro que é!

O direito sem formalidade se transforma em arbitrariedade.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.