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Reinaldo Azevedo

Veja por que o PT perderá no STF guerra do combustível. Estudem, direita e esquerda xucras. É bom!

Reinaldo Azevedo

27/07/2017 00h43

Irreparável nos termos, na argumentação e no encadeamento de ideias, a decisão do desembargador Hilton José Gomes de Queiroz, presidente do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, que suspendeu os efeitos da liminar concedida pelo juiz substituto Renato Borelli, que impedia a elevação da alíquota do PIS-Cofins sobre combustíveis, atendendo a ação popular que 1) questionava a legalidade da majoração (não poderia ter sido implementada por decreto) e 2) apontava agressão ao princípio da anterioridade: a medida só poderia entrar em vigor 90 dias depois da publicação do texto legal.

Jornalistas e comentaristas fizeram uma lambança danada por ignorar o que estava, afinal de contas, em debate.  Antevi no programa "O É da Coisa", da Band News FM, neste blog e em comentário para o "RedeTV News" que a suspensão cairia por terra, como aconteceu. O PT decidiu recorrer ao Supremo. Vai perder. Vejamos.

A Advocacia Geral da União apresentou uma bela peça de defesa, que pode ser sintetizada em três argumentos — nota: a decisão do desembargador reproduz, entre aspas, boa parte do texto —, a saber:

a: a suspensão do reajuste causa uma grave lesão ao erário e aos interesses do conjunto dos brasileiros;
b: o reajuste pode, sim, ser implementado por decreto;
c: não se aplica ao caso princípio constitucional da anterioridade.

Observem, os itens "b" e "c" já entram no mérito da decisão. E, prudentemente, o desembargador Queiroz evitou ancorá-la nessas questões, embora tenha esboçado uma opinião a respeito. Já chego lá.  De resto, já era certo que a oposição recorreria ao Supremo para impedir o reajuste. E, naquele tribunal, sim, os titulares podem se estender sobre legalidade e constitucionalidade.

Queiroz preferiu se ater ao item "a" e evocou as prerrogativas que lhe conferem a Lei 8.437, de 1992, cujo Artigo 4º diz literalmente o seguinte:
Art. 4º Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

E deixou isso claro. Escreveu em seu despacho:
Ora, no caso em exame, sem apreciar a pertinência jurídica dos fundamentos adotados pela decisão atacada, quanto à existência, no caso, de afronta aos princípios da legalidade tributária e da anterioridade nonagesimal (princípios esses cuja vulneração se afigura duvidosa, à vista dos precedentes invocados pela União, em abono de seu pleito), (…), tenho que, no caso, presentes se fazem, à luz das alegações e dos argumentos por ela trazidos, os pressupostos do acolhimento do seu pedido, eis que evidenciados, com exatidão, os requisitos de grave lesão à ordem pública jurídica, administrativa e econômica.

E era precisamente o que havia apontado a AGU em seu recurso, a saber:
O decreto ora impugnado se alinha a uma série de medidas adotadas pela União no sentido de estabelecer o equilíbrio nas contas públicas e a consequente retomada do crescimento econômico. Trata-se de medida imprescindível para que seja viabilizada a arrecadação de aproximadamente R$ 10,4 bilhões entre os meses de julho a dezembro de 2017". (…) [sem os recursos], "vários programas do governo federal estarão ameaçados de continuidade, entre os quais gastos do Ministério da Saúde, de segurança pública, execução do Bolsa Família.

Isso bastou ao magistrado. Notem que, embora ele esboce, sim, um juízo de mérito quanto à legalidade do decreto e à não-aplicação da anterioridade, deixa claro que o que o moveu, sabendo que há instância superior que ainda vai se debruçar sobre a questão, foi o fundamento da "razoabilidade".

Entre outros pressupostos, este prevê que uma decisão judicial atende à necessidade e à adequação dos meios aos fins. Querem um exemplo? Pois não! Digamos que alguém recorra à Justiça pedindo que esta aplique uma correção a depósitos de poupança que quebrariam o país… O que faz o magistrado? Quebra o país? Ou ainda: dada a situação realmente lamentável em que se encontra boa parte dos presos, pode um juiz determinar que todos sejam soltos? Isso seria, para ficar em palavra da mesma raiz, "razoável"?

Ficará para o Supremo
Caberá agora ao Supremo, já que há o recurso, o juízo sobre a legalidade e a constitucionalidade. Expliquei nesta manhã a questão de fundo, transcrevendo trecho do Artigo 149 da Constituição e explicando o que quer dizer:

  • 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo:

(…)

III – poderão ter alíquotas:

  1. a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro;
  2. b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada.

Escrevi:
A "alíquota ad valorem" quer dizer "conforme o valor". A "específica", também chamada de "ad rem" (conforme a coisa), estabelece um valor fixo de tributação segundo uma unidade. No caso dos combustíveis, é um valor fixo cobrado por litro.

Atenção! A "alíquota específica" é um regime especial, de exceção tributária. E as empresas da área de combustíveis estão nele por opção — opção pelo valor menor: pagam menos.

Entenderam o ponto? A "alíquota específica" implica que o Estado abre mão de uma parte da receita tributária. Logo, pode deixar de fazê-lo. Com efeito, o inciso I do Artigo 150 da Constituição estabelece que "é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça". E isso afastaria o decreto.

Ocorre, sustenta a União — e a questão é de verdade escancarada — que a lei permite, sim, o uso de decreto para o caso. Já vimos que a tributação das empresas da área de combustíveis é feita com base na "alíquota específica. Vamos ver, como lembrou a AGU, o que diz o parágrafo 5º do Artigo 23 da Lei 10.865 sobre um grupo de empresas, incluindo as dessa área, no que respeita à tributação de PIS/PASEP e COFINS:
Fica o Poder Executivo autorizado a fixar coeficientes para redução das alíquotas previstas neste artigo, os quais poderão ser alterados, para mais ou para menos, ou extintos, em relação aos produtos ou sua utilização, a qualquer tempo."

Há ainda o Parágrafo 8º do Artigo 5º da Lei 9.718, que reproduzo:
A Contribuição para o PIS/Pasep e a Cofins incidentes sobre a receita bruta auferida na venda de álcool, inclusive para fins carburantes, serão calculadas com base nas alíquotas, respectivamente, de: 

  • Fica o Poder Executivo autorizado a fixar coeficientes para redução das alíquotas previstas no caput e no § 4o deste artigo, as quais poderão ser alteradas, para mais ou para menos, em relação a classe de produtores, produtos ou sua utilização.

E aqui está o Parágrafo 4º
O produtor, o importador e o distribuidor de que trata o caput deste artigo poderão optar por regime especial de apuração e pagamento da  Contribuição  para  o PIS/Pasep e da Cofins, no qual as alíquotas específicas das contribuições são fixadas, respectivamente:

Quanto à noventena, a AGU lembra que farta jurisprudência do Supremo, ao qual o PT decidiu recorrer, já bateu o martelo: em matéria de redução ou revogação de benefício fiscal — e a alíquota "ad rem" é um benefício fiscal —, não se verifica a necessidade do prazo.

Bem, não resta a menor dúvida de que o PT será derrotado no Supremo. E será derrotado por qual força? Ora, por uma coisa de que os companheiros não gostam muito, a não ser quando protege os da sua turma: as leis.

Este escriba, no regime democrático, está sempre com as leis, não importa a quem protejam ou punam. "E se a lei for ruim, Reinaldo?" Ora, que seja mudada. Numa democracia, existem também as regras para mudar as regras.

Que parte do regime democrático essa gente ainda não entendeu?

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.