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Reinaldo Azevedo

Presidentes militares não tinham como alegar ignorância sobre porões; o que se debatia era só o seu engajamento subjetivo com a violência

Reinaldo Azevedo

11/05/2018 07h59

João Baptista Figueiredo (à dir.), último presidente na ditadura. No governo Geisel, decidia quem viveria e que morreria

Não havia como os presidentes do ciclo militar ignorar a tortura e as execuções extralegais. Quando menos, dispunham de um eficiente serviço de informações. Mais: boa parte do trabalho sujo foi praticada em dependências do Exército, que era a Força que tinha o comando do governo. Sempre se discutiu aqui e ali o grau de comprometimento também subjetivo deste ou daquele com a violência fora da, atenção para a expressão!, "ditadura legal". É esse retrato de Ernesto Geisel que sai agora borrado de maneira assombrosa. Até esta quinta, era tido como alguém que conteve a fúria dos porões. A partir de agora, deve ser visto como o homem que tentou emprestar inteligência às trevas.

Um memorando da CIA de 1974, assinado pelo seu então diretor, William Colby, evidencia, sem espaço para ambiguidades, que o general que presidiu o país entre março de 1974 e março de 1979 tinha mais do que ciência de que o regime assassinava pessoas ao arrepio das leis impostas pela própria ditadura. Ele foi além do que fizeram seus antecessores: chamou para si a decisão sobre quem deveria viver e quem deveria morrer.

Ao revelar a existência do memorando, o pesquisador Matias Spektor, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas e colunista da Folha, não apenas derruba o mito do "ditador consciencioso" como nos força a rever alguns episódios da história brasileira em que o então presidente Geisel aparece como o homem que, diante da tortura e das execuções extralegais, deu um "basta!". Não! O que o memorando evidencia é que Geisel só não gostava de ser desobedecido. Era permitido matar! Ele só fazia questão de ser consultado — por intermédio de João Baptista Figueiredo, chefe do SNI e depois presidente da República. Cabia a Figueiredo apontar o polegar para cima ou para baixo.

O memorando de Colby deixa claro: Milton Tavares, então chefe do Centro de Informações do Exército (CIE), informou, em uma reunião a que estavam presentes Figueiredo e o próprio Geisel, que 104 pessoas haviam sido assassinadas de forma extralegal em 1973. Defendeu que a prática tivesse continuidade. Geisel pediu tempo para pensar. Dois dias depois, em 1º de abril de 1974, chamou o chefe do SNI e deu a ordem: sim, a matança poderia continuar, mas era preciso ser seletivo. Eliminar só os realmente perigosos e depois da prévia concordância de Figueiredo.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.