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Reinaldo Azevedo

PT, PSDB e Fernando Pessoa. Ou: Petrolão pode liquidar os tucanos, não os petistas

Reinaldo Azevedo

18/07/2017 08h08

Lula vai começar a sua caravana pelo Nordeste. Bem pensado, restou-lhe o quê? É claro que a situação do PT não é exatamente fácil, mas, por incrível que pareça, é muito melhor do que já foi. Hoje, se vocês olharem direitinho, quem corre o risco de extinção é o PSDB. Se acontecer, será mais por falta de clareza do que por excesso de culpa.

Rodrigo Janot conseguiu atar o destino das maiores lideranças do partido à Lava Jato. Na maioria das vezes, trata-se de casos de caixa dois. Os delatores que citaram José Serra, Geraldo Alckmin e Aloysio Nunes não relataram a contrapartida, que caracterizaria a corrupção passiva. No caso de Aécio Neves, um delator da Odebrecht falou de uma suposta conta no exterior que, até agora, não apareceu. Quanto aos R$ 2 milhões que o senador recebeu de Joesley Batista, procurem o favor trocado. Não está na denúncia de Janot, a não ser por uma passagem que chega a ser jocosa: o preclaro acusa o agora senador de ter viabilizado uma renúncia fiscal para a JBS da ordem de R$ 24 milhões, que, muito grato, teria repassado R$ 60 milhões ao senador. Nota: o dinheiro foi declarado à Justiça Eleitoral.

Mas e daí? A forma como o procurador-geral contou a história tornou pardos todos os gatos, certo? O PT, como de hábito, tratou logo de se unir: declarou que havia uma conspiração contra o partido; viu minguar as suas bases; foi esmagado na eleição de 2016; manteve-se fiel a Lula e, para evidenciar de maneira insofismável que quer, sim, contrastar a Lava Jato, pouco distinguindo virtudes de defeitos, fez algo realmente espetacular: transformou uma senadora ré em presidente do partido: Gleisi Hoffmann (PR).

Não existe pecado ao sul do Equador petista. E ponto final.

Não! Não falo deles com admiração. Ao contrário: sinto é asco. Isso não me impede de reconhecer que até a política é feita por laços de lealdade. Quando escrevo "até", faço uma alusão à apologia chulé da traição que se ouve por aí. Se o membro de um grupo não souber que ele é parte de um todo é que o todo está em qualquer parte, a tendência é a traição. Convenham: depois de tudo o que se sabe sobre o PT, a legenda deveria ser banida da vida pública pelo eleitor. E, no entanto, a legenda será um dos polos da disputa eleitoral de 2018.

Tucanos
E os tucanos? Ah, os tucanos! Quanta bobagem em tempo tão curto, com as devidas vênias a quem andou a fazer a coisa certa e evitou defecar na cabeça do adversário!!! Seja Aécio inocente ou culpado — até agora, não está claro que favor fez a Joesley, ou alguém conseguiu encontrar isso na denúncia de Janot? —, o fato é que não houve um único bom de bico a apontar as arbitrariedades de que o senador foi vítima ao ser afastado de seu mandato. Nada! Não se leu uma vírgula de ninguém. Ao contrário! Houve, e está havendo, uma corrida para ver quem fica com o butim.

O comportamento de parcela considerável do partido, talvez da maioria, no que diz respeito ao governo Michel Temer é das coisas mais detestáveis que vi em política nos últimos tempos. E é covarde também. Então o partido não pode conviver com os supostos crimes do presidente, apontados por Janot, mas pode conviver com aqueles que teriam sido cometidos pelos próprios tucanos?

Vejam que coisa! O fabuloso procurador-geral não apenas igualou a todos como, de quebra, pode dar uma contribuição definitiva para o fim do PSDB — ou para que se reduza a uma dimensão nanica. Não que o partido não tenha investido com determinação contra a própria cidadela. Além da manifesta incompetência ou covardia para defender os seus próprios membros, demonstrou contra o governo Temer uma virulência que não ousou praticar nem contra o governo Dilma. Não custa lembrar: o partido tardou a entrar no impeachment. As ruas o antecederam em muito.

Agora, diante dos óbvios desmandos de Janot, em vez de proceder à devida crítica, o que se vê é um partido preocupado exclusivamente com a eleição, como se o eventual desembarque fosse colaborar para melhorar a avaliação que se tem da legenda. Estou entre aqueles que acham que piora. Não importa quão ruim esteja uma reputação, não se lhe acrescentem notas de covardia sob o pretexto do realismo ou da elevação do padrão moral; o efeito será certamente contraproducente.

O PT é hoje muito menor do que foi. Se a direita que sabe ler o jogo não vai à rua contra Temer, tampouco a esquerda consegue mobilizar pessoas em número suficiente para caracterizar uma pressão da população. Convenham: o partido errou quando tachou o movimento em favor do impedimento de Dilma de "pressão da mídia" ou "golpe da mídia". Essa qualificação pode ser empregada, sem qualquer exagero, para o "Fora Temer". Mas o que vem depois, além de escuro? Os tucanos passam para o establishment político a imagem de traidores e não conseguem mobilizar a população. Eis a ironia das ironias: o petrolão, que tinha tudo para liquidar o PT, pode é decretar a morte do… PSDB. Janot contribuiu muito para isso. Mais do que ele, os próprios tucanos se dedicam fanaticamente a abreviar a vida do partido.

Volto a Lula
E Lula? Por mais otimista ou crédulo que seja, ele próprio deve apostar, intimamente, que será condenado pelo TRF4. Sim, o homem foi o chefe de uma organização de assalto ao Estado como nunca houve, mas a sentença de Sérgio Moro é ruim. Afinal, o magistrado tem de lidar com a acusação produzida pelo Ministério Público Federal. Denúncia, alegações finais e sentença são de uma impressionante fraqueza.

Mesmo que venha a ser condenado e preso daqui a um ano, pode-se ter um de dois Lulas: acuado, em casa, desanimado, esperando o bonde passar e lamentando a sorte, ou com a figura do mártir já robustecida, que só estaria sendo condenado, quem sabe encarcerado, porque isso seria parte do "golpe das elites". Ele fará a escolha óbvia: sobreviver, quando menos, como um grande eleitor.

Boa parte dos tucanos, na hora do "vamos ver", ou se esconde debaixo da cama ou tem a grande coragem de trair…

Convenham: o PT não venceu sozinho quatro eleições presidenciais consecutivas. O PSDB colaborou bastante para isso.

O que foi que escreveu mesmo Fernando Pessoa (Álvaro de Campos) em "Tabacaria"? Ah, sim:
"Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas —
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas —,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão."

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.