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Reinaldo Azevedo

Senado é notificado e já pode reabilitar a Constituição e resgatar o estado de direito

Reinaldo Azevedo

28/09/2017 00h43

Luiz Fux e Roberto Barroso: o Supremo em tempos de barbárie e proselitismo vulgar

O Senado foi notificado na noite desta quarta sobre a decisão da Primeira Turma do Supremo que, nesta terça, afrontando a Constituição e o Código de Processo Penal, afastou o senador Aécio Neves (PSDB-MG) do seu mandato, impondo-lhe ainda as seguintes medidas cautelares: proibição de falar com outros investigados, entrega de passaporte ao tribunal e recolhimento noturno obrigatório. Roberto Barroso, sempre muito criativo — é aquele que já reescreveu o Código Penal, tentando legalizar o aborto com a sua toga, ao conceder um simples habeas corpus — inventou a semiprisão domiciliar. Mas sigamos: tudo caminha para que a Mesa submeta essa heterodoxia ao plenário. E, como já escrevi, uma das Casas do Legislativo brasileiro vai dizer se continua de pé ou se assina a própria extinção.

Os senadores que vieram a público até agora, incluindo Eunício de Oliveira (PMDB-CE), presidente, defendem que a decisão final cabe ao plenário. Dois ministros do Supremo foram explícitos a respeito: Marco Aurélio e Gilmar Mendes. E notem que eles não costumam seguir, digamos, a mesma cartilha. Quem conhece os bastidores do Supremo diz que assim também pensam Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes. Até Cármen Lúcia, que, a meu juízo, está na raiz dessa crise, teria considerado a decisão da Primeira Turma inoportuna. Ninguém tem dúvida sobre a opção de Edson Fachin. Foi ele quem inventou o afastamento quando relator do caso. Já sabemos o pensamento glorioso do trio do barulho: Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux, os exóticos. Celso de Mello é incógnita. Um me diz: "É claro que ele discorda daquela aberração". Ao que outro emenda: "Mas anda tão esquisito!"

Bem, meus caros, de toda sorte, a decisão está com a Mesa do Senado. Caso submeta a questão ao plenário, e se este a anular, anulada a coisa está. Não enxergo hipótese de judicialização posterior via STF. Se houvesse, nesse caso, triunfaria o bom senso.

Roberto Barroso, com aquele seu ar superior, quase etéreo, que passou a exibir depois que ganhou um lugar na corte, tentou justificar a excrescência:
"Respeito todos os pontos de vista e acho que as pessoas na vida têm direito à própria opinião. Mas não aos próprios fatos. Os fatos são os seguintes: a Constituição brasileira, no artigo 53, parágrafo 2º, prevê que a prisão de um parlamentar só pode se dar em hipótese de flagrante de crime inafiançável. A primeira turma do STF não decretou a prisão do senador",

A observação é burra ou cínica. E burro o doutor não é. Mostra-se até muito esperto. Ele deveria dizer a que artigo da Constituição recorreu para impor aquelas medidas. Resposta: a nenhum! Apelou ao Artigo 319 do Código de Processo Penal, só evocável quando, havendo os requisitos dados para a prisão preventiva (Artigo 312 do CPP), opta-se por medidas mais moderadas. Como o 312 não se aplica a Aécio, porque abrigado pelo Artigo 53, as medidas restritivas são ilegais. Ademais, um Senado que pode reverter até uma prisão em flagrante por crime inafiançável certamente pode rever ações menos gravosas.

Já Luiz Fux, aquele que resolveu zombar de um senador enquanto estuprava a Constituição, tentou ser sagaz, mas foi apenas desastrado. Afirmou:
"Temos de deixar o Senado pensar bem naquilo que vai fazer diante da decisão judicial porque, se não me falha a memória, o senador já esteve afastado por decisão judicial, e não houve esse clamor todo".

A memória não falha, mas o seu juízo sim! Não houve o que ele chama "clamor" porque cabia recurso. De tal sorte a decisão era estupefaciente que se dava como certo que seria revertida. Agora, como se sabe, não há apelo possível no tribunal. O que ele chama "clamor" é só um convite para que o Senado exerça a sua prerrogativa.

E o doutor entrega todo o serviço quando afirma:
É uma medida prevista expressamente no Código de Processo Penal, no artigo 319, que diz com todas as letras: são medidas cautelares diversas da prisão. Esse dispositivo foi acrescentado ao Código de Processo Penal pelo Congresso Nacional em 2011. Portanto, é o Congresso Nacional que definiu que essa não é uma hipótese de prisão. Com todo o respeito a todas as opiniões, não há dúvida jurídica aqui. O direito é claríssimo. Agora, as pessoas todas podem ter a sua opinião política a respeito dessa matéria, menos eu, que não sou comentarista político.

Opinião política uma ova. É Fux quem tem de explicar o que fazer do Parágrafo 6º do Artigo 282 do mesmo código:
"A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar".

Os Artigos 312 e 319 do Código de Processo Penal são indissociáveis. É preciso que estejam dados os pré-requisitos do 312 (prisão preventiva) para que se apliquem, então, as medidas restritivas do 319, mais brandas. Pergunta: Aécio poderia ser preso nas condições dadas? Não! Logo, a decisão foi arbitrária.

Opinião política, doutor? Quem confessou ter chegado ao Supremo apelando aos préstimos de Delfim Netto, João Pedro Stedile, José Dirceu e Antonio Palocci não pode ser, assim, tão altaneiro ao ignorar a lei.

Rosa Weber, tudo indica, não disse nada. Tão logo ela entenda o debate, talvez se manifeste.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.