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Reinaldo Azevedo

STF pode definir hoje data de ADCs; reduzir o tema a Lula é vigarice; favoráveis à prisão depois da segunda instância querem votar

Reinaldo Azevedo

21/03/2018 06h00

Demorou um tantinho, mas parte considerável da imprensa profissional resolveu ao menos se ater às regras do jogo na cobertura da votação das ADCs (Ações Declaratórias de Constitucionalidade) que tratam da prisão depois da condenação em segunda instância. Sim, a votação acabará tendo interferência no destino imediato de Luiz Inácio Lula da Silva, mas a ele precedem. Um tribunal constitucional não pode ser reduzido a dimensão de um órgão cujo fito é proteger ou punir um homem. O que chamo "ater-se às regras do jogo"? Fugir do berreiro promovido por pistoleiros, pistoleiras das redes sociais e do subjornalismo. Sim, há ainda uma fatia considerável da imprensa profissional que está proibida de dar ao tema o tratamento segundo o estabelecido pelos rigores da lei. Quando a linha editorial é mais importante dos que os fatos, seja para criar deuses, seja para criar demônios, o jornalismo cede ao proselitismo.

Antes que continue, uma nota: sempre que vocês lerem que o Supremo poder "mudar o seu entendimento" — com a variante "rever" — sobre o tema, vocês estão diante de uma mentira. Resta apenas saber se aquele que a espalha o faz por dolo ideológico ou ignorância. Quando o tribunal arbitrar sobre o mérito da prisão depois da condenação em segunda instância, no âmbito de ações dotadas de efeito vinculante, segundo dispõe o Parágrafo 2º do Artigo 102 da Constituição, aí, sim, estará definindo um "entendimento".

"Isso é uma opinião, Reinaldo?" Não! Isso é um fato. Tão certo como é amarela a caixa da Maizena desde que a sua bisavó fazia mingau para o seu avô. Se o tribunal já tivesse "a visão" a respeito, ministros do próprio Supremo não tomariam decisões díspares na concessão de liminares. Em 2016, julgou-se um ARE (Recurso Extraordinário com Agravo), que tem repercussão geral — orienta a jurisprudência —, mas não vincula tribunais e juízes à maioria formada. Naquele caso, deu-se um seis a cinco a favor da execução provisória da pena, vale dizer: passou-se a permitir a prisão depois da condenação em segunda instância.

Nesta quarta, há uma boa possibilidade de Marco Aurélio ou Celso de Mello suscitar — ou suscitarem, já que podem fazê-lo em conjunto — uma questão de ordem para que Cármen Lúcia, presidente do Tribunal, cumpra a sua obrigação e paute o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade que estão prontas para votação desde dezembro. Marco Aurélio poderia fazê-lo porque é o relator dos casos; Celso de Mello, porque é o decano do Supremo.

Quando vocês lerem e ouvirem por aí que se trataria de uma manobra para ajudar Lula, saibam: é "fake news", é opinionismo pautado por ideologia ou por interesse. Como lembram os dois ministros, trata-se de matéria urgente porque, não havendo uma decisão de mérito do tribunal, cada ministro está virando literalmente uma sentença sobre questão que está na Constituição (Inciso LVII do Artigo 5º) e sobre a qual há aquela votação de 2016, que não obriga ninguém a nada.

Assim, meus caros, tem-se o pior dos mundos, que é o da loteria: quem der sorte e tiver como relator de seu habeas corpus um ministro contrário à execução provisória da pena, bem, essa pessoa sabe que terá mais chances de ter ao menos retardada a sua prisão; quem não der e cair na mão de um magistrado favorável, paciência. Ora, esse é o caminho da bagunça. E o que vai mesmo na Constituição: "Ninguém será considerado culpado até o a trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

É um despropósito que o tribunal constitucional do país esteja sujeito a essas injunções. Sim, como constata um editorial do jornal "O Globo", Cármen Lúcia está submetida a pressões. Como a exercida, por exemplo, por  "O Globo". E fica aqui o desafio para que o jornal evidencie que a votação do ARE de 2016 subordina juízes e tribunais à maioria, então, formada. Não será aceito — e não o será não só em razão da eventual irrelevância do desafiante. É que nem mesmo as Organizações Globo, que podem tanto, conseguem provar a quadratura do círculo. Até agora, há teoria alternativa apenas para o encontro das paralelas…

Celso de Mello foi submetido à execração pública por opinadores e opinadoras que não sabem fazer o "O" com o copo por ter proposto a Cármen uma reunião com os demais ministros para que se definisse a data de votação das ADCs, o que a ministra já deveria ter feito por conta própria. Ela concordou, não marcou a reunião e ainda entregou o colega à fúria dos habitantes do bueiro do capeta, que passaram a acusá-lo de tentar ajudar Lula.

E por que se acusa a suposta "ajuda"? Porque há certa desconfiança de que, ao julgar as ADCs, pelo menos seis ministros votem que se faz necessário, para atender ao que dispõe a Constituição, que haja ao menos a condenação pelo STJ — terceira instância. Isso retardaria a prisão de Lula. Mas insisto: as questões precedem em muito o caso do petista.

Cármen se negou até agora a tratar da questão com os ministros, embora já tenha falado sobre o assunto com a imprensa mais de uma vez. E aproveitou, em todas elas, para demonizar os votos contrários ao seu, numa clara tentativa de constranger seus colegas de tribunal. Nesta quarta, há uma possibilidade de que se defina a data de votação das ADCs.

Se o que se vazou por aí corresponder à realidade, o TRF-4 pode dar a resposta aos embargos de declaração impetrados pela defesa de Lula até o fim do mês. Seria uma rapidez inédita, como inédito é uma presidente do Supremo se negar a pautar matérias com tal importância, prontas para votação, porque ela desconfia de que não gostará do resultado.

Ainda que o tribunal cumpra a lei e paute a votação, isso pode se dar apenas em abril, e há um esforço, nota-se, para prender Lula ainda em março. Cármen, que está se transformando numa malvada de manual com seus colegas, talvez considere que ministros ficarão constrangidos diante do fato consumado.

O que eu penso? Penso o que sempre pensei sobre prisão após condenação em segunda instância: se forem perguntar o meu gosto, direi "sim". Ocorre que a Constituição diz "não". Há quem a interprete de outro modo também no Supremo, embora o texto seja claro a mais não poder. Por isso mesmo se faz necessário que o tribunal tome uma decisão à qual se subordinarão todos os entes e juízes quando confrontados com o caso.

Só gente mentirosa, sem vergonha na cara mesmo, tenta subordinar esse debate a Lula. Ele estaria dado de qualquer modo. De resto, Cármen já não consegue esconder nem de si mesma que, não fosse o "fator Lula" (ou tivesse ela a certeza de que o resultado seria do seu gosto), e a questão já teria ido a voto.

De um agente do Estado, espero apenas que cumpra a lei. Nada mais.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.