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Reinaldo Azevedo

Temer comemora dois anos de conquistas; elas são reais. Seu sucessor fará menos, qualquer que seja. País confunde jogo limpo com “goal”

Reinaldo Azevedo

15/05/2018 17h08

Presidente Michel Temer no evento que marca dois anos de governo: tem o que comemorar (Foto: Marcos Corrêa)

Quando um trabalho de combate à corrupção corrige os vícios de um governo e, mais amplamente, de um país, está no bom caminho. Se, junto com estes, ataca também as virtudes, então aquilo que deveria ser um bem se transforma num vício. No dia 16 de dezembro de 2016, escrevi uma coluna na Folha intitulada "Dentro, Temer". Era uma alusão, em tom de contestação, ao "Fora, Temer", que se ouvia nas esquerdas desde sempre e que começava a seduzir grupos de direita que, está mais claro do que nunca, buscam apenas uma vaga nos estacionamentos de Brasília. E alguns chegarão lá sem dizer nem quem os financia.

Muito bem! Uma pausa. O presidente comandou uma solenidade nesta terça para marcar os seus dois anos de governo, considerando o período em que assumiu como interino, com Dilma ainda apenas afastada, à espera da conclusão do processo de impeachment. Depois de uma atrapalhação sintática — aquela história de "O Brasil voltou, 20 anos em 2" (marqueteiros precisam tomar mais cuidado com a língua portuguesa; vale para qualquer um) —, o nome do evento se ajustou: "Maio/2016 – Maio/2018 – O Brasil voltou". E, com efeito, raramente se caminhou tanto.

Não deixa de ser engraçado que setores da imprensa apontem que, em seu balanço, o governo não toque nos chamados "casos de corrupção". Digam-me cá:  governos, qualquer governo, quando fazem um evento para celebrar suas conquistas — é preciso ver se são reais ou não, aí sim —, devem preparar atos de contrição, é isso? Devem se chicotear em praça pública, incorporando as críticas que lhe fazem os adversários? As coisas fugiram do razoável.

O governo preparou uma espécie de cartilha. Eu a li. É honesta nos dados, bastante detalhados, e seria preciso dizer que o que vai ali, então, é mentira. Desde já, e guardem este texto em arquivo, posso dizer: vamos sentir saudades do governo Temer. Se você o considera ruim, espere o que vem por aí caso o país não mude o eixo de suas preocupações. E combate à corrupção é obrigação permanente dos órgãos de estado. Não pode ser um objetivo. Nesse sentido, o inglês tem uma coincidência de sentidos que o português não fornece: "goal" é sinônimo de objetivo, mas é também o "gol" do jogo, o ponto de chegada, o lugar a que se deve chegar.  Não ser corrupto é outra coisa: a gente poderia traduzir por "fair play". É o jogo limpo.

A finalidade de um jogo não é "ser limpo". Essa é a condição. Por isso existe o juiz. Esse é o instrumento. É o meio. Corresponde a seguir as regras, acrescendo-se dados de civilidade que tornam a partida mais bonita. Mas um time entra em campo para vencer. Esse é seu "goal". É preciso marcar os gols.

Na minha coluna de dezembro de 2016, considerava os quatro meses de governo porque tomei como marco a ascensão definitiva de Temer. E lá se lê:

"…nesse pouco tempo, o governo Temer conseguiu:

a – aprovar uma PEC de gastos que, quando menos, impedirá o Brasil de virar um Rio de Janeiro de dimensões continentais:

b – aprovar na Câmara a medida provisória do ensino médio, depois de enfrentar um cipoal de mistificações e desinformação;

c – aprovar a MP do setor elétrico, área especialmente devastada pelo governo de Dilma Rousseff, a dita especialista;

d – aprovar o projeto que desobriga a Petrobras de participar da exploração do pré-sal – e contratos já foram fechados sob os auspícios do novo texto;

e – aprovar a Lei da Governança das Estatais, que é o palco principal da farra;

f – apresentar uma boa proposta de reforma da Previdência, que vai, sim, enfrentar muita resistência;

g – no BNDES, ultima-se o levantamento do estrago petista, e o banco se prepara para retomar financiamentos."

Isso tudo em quatro meses. Ou, se quiserem tomar maio como referência, em sete.

Bem, hoje, completando dois anos de gestão, a inflação caiu de quase 10% para menos de 3%; os juros nominais despencaram: menos da metade, com os juros reais mais baixos da nossa história recente; e o país saiu da recessão de 3,6% do último ano do governo Dilma para um crescimento que poderia ser superior a 3% neste ano não fossem as sabotagens claras e explícitas. Acrescentem-se ao conjunto da obra a reforma trabalhista e a continuidade dos programas sociais, com aporte adicional de recursos em muitos casos. Ainda farei o detalhamento.

No período, Temer enfrentou duas tentativas de deposição. E, ainda assim, conseguiu a maioria no Congresso para votar medidas essenciais. Não fosse a holding Joesley, Janot e Fachin (JJ&F), teria entregado também a reforma da Previdência.

Qualquer que seja o sucessor de Temer, qualquer que seja o resultado da eleição, o próximo presidente será menos operoso em dois ou em quatro anos, com mais dificuldades no Congresso. Até porque, por um bom tempo ainda, até que isto leve ao enfaro, o país continuará a confundir a obrigação do jogo limpo com o nosso "goal".

E, podem acreditar, nem todos tem a experiência e a resiliência de Temer para aguentar em pé, apesar do jogo sujo.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.