Topo

Reinaldo Azevedo

Temer fala em atentado à democracia e ao Estado de Direito; os vis exploradores de cadáveres estão pouco se lixando para isso

Reinaldo Azevedo

16/03/2018 07h23

"O assassinato da vereadora e de seu motorista é inaceitável e inadmissível, como todos os demais assassinatos que ocorreram no Rio de Janeiro. É um verdadeiro atentado ao Estado de Direito e à democracia. No caso, trata-se de um assassinato de uma representante popular".

A fala acima é do presidente Michel Temer, em pronunciamento sobre o assassinato covarde da vereadora Marielle Franco, do PSOL do Rio. Temer faz bem em evocar o Estado de Direito e a democracia. O que se afronta com essa morte é, sim, a institucionalidade — afinal, a área de segurança do Estado está sob intervenção federal justamente porque havia a ameaça de anomia, de desordem generalizada — e também o regime que nos governa, por escolha da esmagadora maioria do povo: a democracia. Daí o destaque que Temer dá ao fato de que ela era uma representante popular, uma vereadora, pouco importando quantos equívocos acumulasse sobre suas utopias genéricas — era uma socialista — e sobre questões particulares: era uma crítica feroz da intervenção.

E, por incrível que possa parecer, esses são os termos ausentes da vil exploração da tragédia que militantes de esquerda promoveram ontem em algumas cidades do país e estão a promover hoje redes sociais e imprensa afora.

Procurem as palavras de ordem e os discursos de alguns medalhões e de certos abobados. Os assassinos de Marielle não miraram apenas na militante, mas também na intervenção e na necessária resposta dada pelo governo federal à desordem. Não por acaso, mesmo a imprensa profissional já está coalhada de especulações sobre o efeito que o evento possa ter na opinião pública.

Não que a especulação seja despropositada. Mas é nessa hora que é preciso ir um pouco além do óbvio. O assassinato de Marielle só se completa, do ponto de vista da tarefa dos que a mataram, com essas considerações. O apoio da população à ação do governo é maciço. O alarido ideológico que se fez até agora se mostrou inútil para desacreditar a intervenção. Assim, era preciso tingir de sangue o debate.

E, não há como, ninguém consegue fazer um cadáver render tanto como as esquerdas. Não é de hoje. Isso tem história.

Todo o aparelho militante está mobilizado para que os protestos sejam o início de uma jornada. E daí que outros tantos anônimos tenham sido assassinados ontem no Rio e sejam hoje? E daí que, no ano passado, 6.371 pessoas no Estado tenham sido vítimas de mortes violentas? E daí que 134 policias tenham sido mortos pelo crime organizado? Eis outro dado ausente do protesto das esquerdas?

O corpo de Marielle serve à disputa de poder. Os exploradores de cadáveres estão pouco se lixando para a democracia e o estado de direito, de que fala Temer.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.