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Reinaldo Azevedo

Tio Rei na ficção: escrevi, a pedido do UOL, um conto sobre Copa do Mundo! É parte do projeto Copa Brasileira de Letras, lançado pelo portal

Reinaldo Azevedo

09/06/2018 09h44

Caros, o UOL lançou "A Copa Brasileira de Letras". Reproduzo o texto do próprio portal, que sintetiza a iniciativa:

"O que você tem a dizer sobre as Copas do Mundo? Foi essa pergunta que fizemos a algumas personalidades da literatura brasileira. O resultado é o projeto "Copa Brasileira de Letras", histórias únicas, reais ou de ficção, de cada um dos Mundiais de futebol, de 1930 até 2014. A cada dia, você lê uma história diferente. São textos de Alex Castro, Edney Silvestre, Eliane Brum, José Roberto Torero, Michel Laub, Paulo Lins, Reinaldo Azevedo, Luiz Ruffato, Vanessa Barbara e Xico Sá. A Copa de 2010 é de Reinaldo Azevedo, sobre as lembranças do Mundial de um cronista de Banânia…. "

Bem, é isso. Abaixo, segue um trecho do conto. 

Rumo ao portal. Ou: Memórias nada sentimentais de Ulrich em Banânia

Ulrich acordava todas os dias na esperança de ter se transformado num inseto. Ensaiara certa feita rabiscar as razões de seu anseio: "Uma vida voraz, sem propósito nem paixões; eis a verdadeira liberdade. Desenvolver a ideia".

Ao alongar os braços e as pernas, espreguiçando-se como quem grita em silêncio por socorro; ao sentir aquele misto de dor e orgulho que o impediria de mijar por algum tempo, até que o sangue refluísse dos corpos cavernosos e voltasse a irrigar ambições mais flácidas; ao devolver às próprias narinas, mão em concha, o hálito pesado de comidas e ideias mal digeridas… Teve tempo para um pensamento besta. Nos filmes, casais acordam e se beijam com paixão. Roteiristas se recusam a aceitar a nossa condição, entre cheiros e fraquezas. Ulrich teria de encarar a sua melancólica humanidade.

Ao pôr os pés no chão, uma algazarra no mundo dos outros. Nenhum homem é um besouro. Ou uma ilha. Gol. A Seleção de Banânia disputava as quartas de final com a Holanda. Não é que a alegria alheia incomodasse Ulrich. Percebesse assim e afastaria o pensamento porque inclinado, em algum lugar entre a afetação e a convicção, a certa aristocracia do espírito que condescendia com fraquezas. Mas não bastava para afastar o desconforto físico que sentia diante da excitação alheia. Uma vez comentara com um amigo que a alegria tinha cheiro de suor. O outro se limitou a dizer um "É mesmo" sem convicção.

Alguém na vizinhança esmagou o seu ouvido com uma vuvuzela, a trombeta do capeta. "Este país não está preparado para ideias magras e severas", pensou, tomando o primeiro dos muitos cafés do dia. "Magras e severas"… Lera em algum livro esse par de adjetivos. E pensou em fundar em Banânia uma categoria filosófica que fundisse pragmatismo e ética. Mas sobreveio o desencanto antes mesmo de desentranhar as primeiras palavras de seu manifesto. Teria de explicar em nota de rodapé por que a magreza está para um como a severidade… Nem completou a frase. "Seria meu Manifesto Desinteressantíssimo". E contraiu a comissura dos lábios, no riso possível para uma piada feita só para loucos, só para raros.

Outro café. Teria de escrever depois sobre o jogo. O jornal tinha a mania de pedir que sapo de fora chiasse em ocasiões assim. A praia do seu tédio era a economia, não futebol. Dizia ver mais humanidade no triângulo "política monetária, expansão do consumo e inflação" do que em Hamlet, Ofélia e Fortinbras. Não via. Mas sabia que isso irritava algumas pessoas. Preferia o cheiro do ódio ao do suor amistoso.

Pensou num país em que as pessoas só falassem por intermédio de livros. Jorgiânia. A Constituição traria o Livro dos Livros. O governo seria dos que leram um maior número de obras ou dos que se dedicaram mais profundamente a um grupo delas? A que se chamaria crime em Jorgiânia: ler o que não presta ou não ler o que presta? Mas quem se encarregaria da seleção? "Uma ditadura de leitores seria como uma ditadura de juízes". Achou a frase espirituosa e a anotou com o acréscimo: "Desenvolver a ideia".

(…)
Para ler a íntegra, clique aqui

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.