Topo

Reinaldo Azevedo

TRF-4 quer Lula na cadeia já; posição atual do STF o permite, mas tribunal pode mudar decisão, além de dar habeas corpus

Reinaldo Azevedo

24/01/2018 23h27

Bem, sei o que me custa e o que me rende afirmar que, NO CASO DO TRÍPLEX DO GUARUJÁ, LULA FOI CONDENADO SEM PROVAS. E foi. Todo mundo sabe disso, incluindo os que o condenaram. Mas o objeto deste texto é outro. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ser preso daqui a pouco? Vamos ver. É preciso, agora, que o acórdão seja publicado para que a defesa entre com os chamados "embargos de declaração", pedindo que dúvidas sejam esclarecidas. Em tese, caso haja algum erro formal inelutável no julgamento ou a desconsideração de um fato flagrante que conteste a decisão tomada, pode haver uma mudança. Não vai acontecer.

Apresentados os embargos de declaração — até dois dias depois do acórdão —, quando é que o TRF-4, que trabalha com velocidade inédita no caso Lula, apresentará a sua resposta? Não se sabe. Uma coisa é certa: esse é o único recurso que cabe à defesa no próprio tribunal. Depois, resta o apelo ao STJ e, a depender do andamento e do entendimento do caso, ao STF. Salvo algum detalhe que não consigo vislumbrar, o TRF-4 não deve demorar para determinar a prisão de Lula em regime inicialmente fechado. Mas há o Supremo. Vamos ver.

Tentemos entender a baguncismo legal que está tomando conta de Banânia.

O desembargador Leandro Paulsen, revisor do caso, foi explícito: tão logo se esgotem os recursos ao próprio tribunal, Lula deve ser preso, em regime incialmente fechado. E o único recurso agora cabível é o embargo de declaração, que deve ter desfecho rápido.

Assim, onde Lula pode depositar suas esperanças?

A primeira tábua de salvação está na possibilidade de o STF mudar entendimento definido em outubro de 2016, que permite a execução da pena já a partir da condenação em segunda instância. Votaram a favor do que foi considerado uma "mudança histórica" os ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux. Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Opuseram-se Marco Aurélio, Dias Toffoli (este, com ressalvas), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello.

Só para lembrar uma vez mais: o Supremo não decidiu que a execução da pena DEVE COMEÇAR A PARTIR DA CONDENAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA, MAS QUE ELA PODE COMEÇAR. Ocorre que… Ocorre que o Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição é de uma clareza solar:
"Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

Se alguém conseguir explicar como um ainda não-culpado pode começar a cumprir uma pena, ganha um Chicabon, para chupar no portão, junto coma viúva alegre criada por Nelson Rodrigues. E prestem atenção a detalhes do que chamo baguncismo.

O STF ainda terá de voltar à questão. Aqui e ali, especula-se que Gilmar Mendes poderia mudar seu entendimento. Se o fizesse, inverter-se-ia o 6 a 5 — aí o placar seria contra a tal execução antecipada, como quer a Carta. Mas também se dá como certo que Rosa Weber pode se tornar nova heroína da direita, rsss: ela faria a troca contrária. E se manteriam os 6 a 5 pró-execução antecipada.

Acontece, meus caros, que a Constituição existe. Mesmo com a mudança de entendimento do Supremo, ministros da Casa, a exemplo de Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, já concederam habeas corpus a condenados em segunda instância que tinham começado a cumprir pena. Assim, Lula pode obter um habeas corpus no Supremo, a depender de quem fosse o relator, se tiver decretada a prisão.

De tal sorte estamos na Terra do Nunca que vocês devem atentar para o seguinte aspecto: não cabe, obviamente, habeas corpus para quem está cumprindo pena depois de a sentença ter transitado em julgado. Se um ministro do STF pode concedê-lo, como fizeram Lewandowski e Mendes, é porque, justamente, não existe o trânsito em julgado. Ainda que o STF venha a manter seu entendimento, não há como impedir a concessão de um habeas corpus. Para encerrar: "Mas o STF não poderia impor esse cumprimento?" Bem, só se estuprar o Inciso LVII do Artigo 5º e também o Artigo 60, segundo o qual o 5º não pode ser mudando nem por Emenda Constitucional. É cláusula pétrea.

"Quer dizer, Reinaldo, que tanto ele poder preso como pode não ser?"

Sim, é por aí. De tal sorte se está praticando no país o direito criativo, que já temos gente se especializando em direito quântico, para as coisas que são e não são, que estão e não estão, que há e que não há. E tudo, claro!, ao mesmo tempo.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.