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Reinaldo Azevedo

Trump vira medalhão no clube de párias morais do mundo; aquele que declara inimiga a União Europeia se ajoelha diante de Putin, o tirano

Reinaldo Azevedo

16/07/2018 17h01

Putin e Trump: raramente a política americana foi tão asquerosa

Que coisa comovente, não é mesmo?, o encontro de duas almas tiranas, como Vladimir Putin e Donald Trump! Especialmente quando aquele que deveria representar a democracia e os valores ocidentais se ajoelha no altar da versão moderna e virulenta de um czar sem coroa, mas com o chicote na mão. Ou não foi isso que vez Trump no encontro com, vamos chamar pelo nome certo, ditador russo? Fiquemos nos símbolos: ali estava o líder de um país que, na cerimônia de premiação da Copa, deixa-se proteger por um guarda-chuva, enquanto dois chefes de Estado, a seu lado, se assemelham a pintos molhados. Refiro-me, como o mundo viu, a Emmanuel Macron e Kolinda Grabar, presidentes, respectivamente da França e da Croácia. Ainda que só um guarda-chuva houvesse, é evidente que a boa educação recomendaria que Putin abrisse mão da proteção, igualando-se aos outros. Com a devida elegância, teria dado ordens para que os convidados fossem os protegidos da chuva, não ele próprio. Mas, por óbvio, ele não tem tempo para o decoro.

Como não o tem Trump, aquele que em visita à Escócia, decidiu hospedar-se em um hotel comprado por… Trump. Não é do balacobaco? É como se dissesse: "Vocês não têm nada a me oferecer que o meu próprio dinheiro não possa comprar". No seu encontro com Putin, na Finlândia, salamaleques ao homem que anexou, sem pudor, a Criméia; que tomou, na prática, metade da Ucrânia e que responde, ainda que indiretamente, pela derrubada de um avião da Malaysia Airlines, em 17 de julho de 2014, matando 298 pessoas.

Isso conta apenas parte da história do novo czar da Rússia. Ah, sim! É o tipo de líder que Trump admira. Vai ver imagina a Rússia como um empreendimento de seu colega Putin — assim como a Coreia do Norte seria o resort de Kim jong-un. O presidente dos EUA, diga-se, parece ver o seu próprio país como uma mera unidade de negócios. Os EUA perdem, assim, a condição de país líder das chamadas democracias ocidentais. Muito pelo contrário. Em sua recente passagem pelo Reino Unido, o Agente Laranja deixou claro que inimiga mesmo é a União Europeia. Organismos internacionais já preveem problemas com o crescimento mundial em razão da guerra comercial decretada pelo destrambelhado, que a China parece disposta a comprar.

Na entrevista coletiva concedida pelos presidentes americano e russo, percorreram-se todos os caminhos do asqueroso, do patético, do absurdo. Trump se encarregou, ora vejam!, de, digamos assim, "absolver" Putin da acusação de interferência nas eleições americanas, criticando, em terra estrangeira e em beneficio do suspeito, uma investigação conduzida pelo FBI, na qual sobram indícios de atuação criminosa da Rússia. Já seria um despropósito não tivesse tido tal interferência o objetivo justamente de beneficiar a candidatura de… Trump. Mas o Agente Laranja da democracia americana fez mais do que isso: afirmou que as relações dos EUA com a Rússia haviam atingido o seu pior momento por culpa da diplomacia do seu próprio país. Reitere-se: a sua frente estava o homem que manda prender adversários, que censura a imprensa, que anexa territórios de outros países, que financia ações terroristas, que manda, embora negue, envenenar um ex-agente russo e sua filha em solo estrangeiro…

Com a delicadeza de um jumento escoiceador, Trump resumiu o que a direita que ronca e fuça deve considerar pragmatismo: "Acho que temos grandes oportunidades juntos como dois países que, francamente, não têm se dado bem nos últimos anos. Creio que vamos acabar tendo uma relação extraordinária. Realmente penso que o mundo quer nos ver nos dando bem. Nós somos as duas grandes potências nucleares."

Perfeito! Já que não há risco de algum país da União Europeia lançar uma bomba nuclear contra os EUA, então cumpre declarar o bloco um inimigo. Como a Rússia e até a Coreia do Norte, em tese, poderiam fazê-lo, então é preciso chamar seus respectivos tiranos de "amigos".

O mundo já tem um novo clube de párias morais. E o presidente dos EUA agora o integra, junto com Putin e Kim Jong-un. É a diplomacia da bomba nuclear. E, à diferença do que parece aos tontos, quem se ajoelha no altar dos tiranos é a democracia mais poderosa do mundo.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.