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Reinaldo Azevedo

TSE: Documento desmente falácia sobre Gilmar Mendes. E ainda: De penas e galinhas

Reinaldo Azevedo

10/06/2017 08h43

Não! Gilmar Mendes não mudou de ideia nem foi contraditório.

Não! Gilmar Mendes não defendeu, em 2015, uma tese distinta da que defendeu neste 2017.

O que se votou naquele ano não se confunde com o que se votou agora.

Vamos ver.

Há uma frase, frequentemente repetida por aí, que provoca em mim os instintos mais primitivos: "É tudo a mesma coisa!" Geralmente é disparada por aquele que é incapaz de perceber matizes, de discernir, de discriminar. Ou que se nega a fazê-lo em razão de algum interesse.

Pensemos um caso-limite: sob certo ponto de vista, pode-se dizer que matar por legítima defesa e aplicar a pena de morte são "a mesma coisa", já que as duas ações resultam na eliminação do agressor. Creio que não preciso me estender a respeito das diferenças. A única coisa que iguala os dois procedimentos é a adoção de um critério que falsifica a verdade. Ou por outra: "é tudo a mesma coisa" desde que se ignorem… as diferenças.

Discernir, discriminar, separar os dados da realidade segundo a sua natureza opõem a inteligência à estupidez; a civilização à barbárie; o acerto ao erro.

Li as 6 páginas do acórdão resultante do "AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO N° 7-61.2015.6.00.0000". Foi redigido por Gilmar Mendes. O ministro, que havia pedido vista numa Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (Aime), levara havia pouco o seu voto à apreciação dos demais ministros. Lembro.

O PSDB havia apelado ao tribunal acusando a chapa que elegeu Dilma-Temer de abuso de poder econômico e político. A então relatora, Maria Thereza de Assis Moura, indeferiu o pedido em fevereiro. O partido recorreu para que a questão fosse decidida pelo pleno. O julgamento só foi concluído em outubro. Votaram a favor do procedimento Gilmar Mendes, João Otávio de Noronha, Luiz Fux, Henrique Neves e Dias Toffoli. Além da relatora, também Luciana Lossio deu voto contrário.

Tenho aqui comigo o acórdão, redigido por Gilmar Mendes. O documento traz a decisão do tribunal. Li também o voto-vista de Mendes. Pois é… Não há mudança de posição. Não há contradição. As duas coisas não se confundem.

Ora, o que disse o ministro então? Que existiam elementos para justificar a abertura do processo, mas, atenção!, que fosse feito nos termos da inicial. Transcrevo um trecho do acórdão:

"Não se cuida de transportar para o Tribunal Superior Eleitoral análise de todos os fatos apurados na operação Laja Jato, pois falece a este Tribunal a competência originária para processar e julgar ação penal, mesmo envolvendo crimes eleitorais, mas busca-se tão-somente verificar se, de fato, recursos provenientes de corrupção na Petrobras foram ou não repassados para a campanha presidencial, mormente quando se verifica que diversos depoimentos colhidos na seara criminal revelam que parte do dinheiro era utilizada em campanha eleitoral (Paulo Roberto da Costa, Ricardo Pessoa e Alberto Youssef, entre outros).
4.2. Sem falar: i) as empresas envolvidas na operação Lava Jato doaram importantes valores para os partidos envolvidos no suposto esquema (PT, PMDB e PP) – aproximadamente R$ 100 milhões nos anos de 2012 e 2013; ii) o delator Pedro Barusco teria dito que o Partido dos Trabalhadores recebeu entre US$ 150 milhões e US$ 200 milhões entre 2003 e 2013, dinheiro oriundo de propina.
4.3. As referidas condutas relatadas na inicial e acompanhadas de mínimo suporte probatório podem sim qualificar-se como abuso do poder econômico, o que justifica a necessária instrução do feito, em busca da verdade dos fatos, respeitando as garantias do contraditório e da ampla defesa."

"A pena e a galinha"
Sim, a questão da Petrobras estava dada porque já haviam acontecido algumas delações. Como resta evidente no acórdão, trata-se de apurar "AS CONDUTAS RELATADAS NA INICIAL", que estavam, segundo entendeu o ministro, "ACOMPANHADAS DE MÍNIMO SUPORTE PROBATÓRIO".

Bem, o que posso dizer? Sem que se leia o acórdão e o voto-vista de Gilmar Mendes — são mais 60 páginas —, fica difícil emitir uma opinião.

Num dado momento de seu voto-vista, Mendes afirma:

"Também devo, dizer, Senhores Ministros, que levei cinco meses para trazer este pedido de vista por uma razão: a toda hora tinha que fazer atualizações em função dos fatos que se sobrepõem — como já se disse, atribuindo-se ao Ministro Teori Zavascki, "puxa-se uma pena e vem uma galinha na Lava Jato" —, conexos com os que estão aqui, como veremos, tanto é que me vi obrigado a fazer várias atualizações no texto para os quais chamarei atenção (…)"

O ministro dizer que fatos contemporâneos à redação se seu voto-vista "se sobrepõem, conexos com os que estão aqui" — vale dizer: os da inicial — apenas reforça a necessidade, segundo ele, de abrir a investigação. Supor que isso autorize que se agreguem delações premiadas ao processo, absolutamente descoladas da inicial, eis uma sandice. De resto, a decisão do tribunal é aquela do acórdão, não a de cada ministro, tomado individualmente.

Mendes escreve ainda em seu voto:
"Isso revela uma clara opção do legislador complementar em garantir a normalidade e legitimidade do pleito, cuja orientação normativa, com maior razão, deve respaldar o entendimento do Tribunal no sentido de que a ação de impugnação de mandato eletivo deve ser instruída pelo magistrado quando há mínimo suporte probatório, ficando as teses jurídicas para o julgamento de mérito da ação, após a instrução, evitando-se qualificações jurídicas precipitadas, sem respaldo em outras provas que poderiam surgir nos autos, com a ampla dilação probatória."

Caminhando para o encerramento
Eis aí! Promover a instrução — abrir a investigação — não se confunde com julgamento de mérito. Quatro dos sete ministros entenderam que, dados os fatos da inicial, não se evidenciou, com a força necessária para depor um presidente da República, o abuso de poder econômico. Atenção! As respectivas delações de Marcelo Odebrecht e de João Santana são bem posteriores. Antes que seus testemunhos derrubem um presidente da República, é preciso que se investigue se o que dizem é verdade.

De fato, puxa-se a pena, e vem a galinha inteira. Mas convém não tratar o eleitor como pato.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.