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Reinaldo Azevedo

À diferença do que esperavam alguns, discurso de Ciro é moderado; o viés é social-democrata, não esquerdista, com “respeito aos contratos”

Reinaldo Azevedo

20/07/2018 16h26

Ciro Gomes (centro), ao lado de Carlos Lupi, presidente do PDT, na convenção do partido que oficializou sua candidatura à Presidência (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

O PDT realizou a convenção que oficializou a candidatura de Ciro Gomes à Presidência da República um dia depois de ele ter sofrido o maior revés na corrida até aqui: o bloco de partidos do chamado "Centro Democrático" — quase todo o antigo "centrão" — sentou na namoradeira, pegou na mão, fez o "olhos nos olhos" e escolheu se casar com o tucano Geraldo Alckmin. É claro que isso cria dificuldades objetivas para Ciro — como menos tempo no horário eleitoral, menos recursos e menos capilaridade país afora —, mas nem por isso o candidato do PDT radicalizou o discurso à esquerda. Quem quer que leia a íntegra, como fiz, vai chegar à conclusão de que outra não teria sido a fala ainda que ele tivesse obtido o apoio de DEM, PRB, PP, PR e SD.

Por que afirmo isso? O discurso de Ciro seria abraçado por qualquer partido social-democrata do mundo. Se eleito e se, uma vez no poder, ele vai se dedicar a loucuras heterodoxas, bem, isso não sei e não sei se haverá como saber. Vamos ver qual será a vontade do eleitor. Já foi prefeito de Fortaleza, governador do Ceará, ministro da Fazenda (governo Itamar) e da Integração Nacional (governo Lula). Não consta que tenha babado heterodoxias na gravata ou aderido à matemática criativa, que é a ciência predileta das esquerdas.

"Está simpatizando com Ciro, Reinaldo?" Não! Estou fazendo uma analise objetiva do discurso. E sugiro aqui que os discordantes façam o que fiz: leiam antes de falar.

Faço uma aposta: o discurso do tucano Geral Alckmin não ficará muito distante. Pode até trazer uns laivos a mais de "progressismo" para combater a suspeita de que a adesão em massa do "centrão" à sua candidatura lhe impõe um viés reacionário. Política é prática, mas também e discurso; é ação, mas também é narrativa. Ou por outra: em sua fala, Ciro deixa claro não ser o esquerdista perigoso que alguns querem ver. O tucano enviará a mensagem espelhada: não é o reacionário que alguns querem ver.

Mazelas
Ciro faz o retrato das mazelas brasileiras — números reais, verdadeiros, herança, isto digo eu, do desastre a que o PT de Dilma Rousseff conduziu o país: crescimento de 11% da pobreza absoluta, 32 milhões de trabalhadores na informalidade; 63 milhões de brasileiros com o nome sujo; saúde e educação em situação deplorável; "insegurança" pública; situação fiscal deplorável…

Bem, tudo isso é verdade e, creio, constará do discurso de todos os candidatos. A questão é que resposta dar a esses problemas. O discurso não é um programa de governo — porque o de ninguém é. Quando adequado, como é o caso, concorde-se ou não, traz um diagnóstico da raiz do problema e aponta um caminho. Qual é o de Ciro?

Diz ele: "Estamos vivendo o fim de um ciclo histórico. e estou convencido de que, para seguir adiante, precisamos de um novo projeto nacional de desenvolvimento!"

A expressão provoca arrepios aqui e ali porque pode remeter, sei lá, a um "neodesenvolvimentismo" que opte por fechar a economia; fazer política de substituição de importações; sobretaxá-las para proteger a indústria e os empregos brasileiros… Em suma, a direita brasileira teme, certamente, que Ciro faça aqui o que Donald Trump faz nos EUA, sob o aplauso da… direita brasileira!!!

Afirma o candidato:
"Nos últimos três anos o Brasil fechou mais de 13 mil indústrias, desempregando dos melhores empregos e salários, mais de 1 milhão  de pessoas.  E este fenômeno apenas se agravou recentemente, mas o Brasil é o pais que mais destrói industrias na historia do capitalismo mundial. Em 1980, um terço da riqueza brasileira vinha da indústria de transformação, hoje apenas 11%! Mais grave: nós já tivemos uma indústria maior e mais forte que países como a China, a Coréia do Sul, a Malásia, entre outros."

Não há aí uma única mentira. O que não fica claro, e não fica, é que resposta o governo poderia dar a essa questão. Que um país como o Brasil não pode se dar ao luxo de assistir à desindustrialização, que destrói os empregos que pagam os melhores salários, bem, isso é um fato. Até porque os países citados por Ciro fazem o contrário. A questão é como não incidir nos erros de outrora, com subsídios sem critério, "lei da informática", para citar um emblema da ação desastrada, nababos alimentados pelo BNDES etc.

Sim, um país precisa pensar as escolhas que faz quando é uma das maiores potências agrícolas do mundo, mas paga com soja a importação de adubo e máquinas, para usar uma imagem que está em seu discurso.

O que estou afirmando é que não há nada de exótico na fala de Ciro Gomes. Mas é preciso apontar omissões importantes: o sabido crítico da reforma trabalhista resolveu ignorar o assunto. Também a questão previdenciária não está contemplada.

Cultura do ódio
Por duas vezes, o agora candidato atacou o que chamou de "cultura do ódio". E defendeu a união do povo brasileiro: "O que está faltando é coesão, um debate franco, fraterno e sem ódio sobre o Brasil que queremos." Ou ainda: "E não se restaura a paz pública e as liberdades da cidadania com frases de efeito, cultura de ódio e mais violência."

O candidato aponta ainda um problema que me parece absolutamente candente e que eu gostaria de ver contemplado no programa de todos os candidatos:
"Entre estas graves tarefas para o próximo presidente ou presidenta, está também a indeclinável missão de restaurar o império da lei e do poder político democrático, encerrando o momento de absoluto caos institucional em que cada Poder faz o que quer e o que bem entende."

Bem, em não duvido um só minuto de que isso está em curso. Como um presidente, qualquer um, pode enfrenta-lo? Bem, com a força da liderança política, embora, reconheça-se, não seja tarefa fácil. Um país em que, frequentemente, o próprio Supremo se encarrega de descumprir as leis é, sim, um país com problemas.

Em seu discurso, Ciro pregou ainda o respeito aos contratos e deixou claro que os mais ricos têm de dar a sua contribuição especial para restaurar o equilíbrio das contas públicas, bem como, destacou, o governo. Os pobres e a classe média já teriam esgotado a sua capacidade de colaborar para tal propósito. Como isso seria feito? Não está claro! É um discurso em que se assume uma candidatura, não um programa de governo.

Que fique a síntese: o Ciro da caricatura que dele fazem os adversários, que sai dando pernada a três por quatro, não está presente no discurso da convenção. As linhas gerais da abordagem política e econômica é social-democrata, não socialista; é de centro-esquerda, não de esquerda.

Pelos atos, mais do que pelas palavras, se conhecem os homens, não? É uma sabedoria bíblica. No momento, estamos na fase das palavras. Outros irão discursar e se poderá fazer o cotejo das falas. Que a economia tem desequilíbrios estruturais que demandam uma resposta, bem, isso é evidente. Que é preciso coibir a cultura do ódio e restaurar a autoridade, também.

O discurso é moderado. Vamos ver o que vão oferecer seus parceiros de corrida.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.