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Reinaldo Azevedo

Bolsonaro faz discurso medíocre em Davos, entre a subserviência e a arrogância, ambas fora de hora e de contexto. Foi decepcionante

Reinaldo Azevedo

22/01/2019 17h08

O presidente Jair Bolsonaro fala na sessão plenária do Fórum Econômico Mundial, em Davos (Foto: Arnd Wiegmann/Reuters)

O discurso do presidente Jair Bolsonaro no Fórum de Davos foi fraco — ou, para empregar a palavra na sua correta acepção, foi "medíocre", ficou pelo meio: nem empolgou nem irritou. Não detalhou reforma nenhuma, e não acho que esse seja o problema. Não lhe cabia mesmo, num evento internacional, dar detalhes de uma reforma que é desconhecida pelos brasileiros. Quem tratou do assunto com destaque foi Paulo Guedes, ministro da economia, que foi a estrela do almoço organizado pelo Itaú Unibanco para uma plateia de cerca de 100 pessoas. Segundo participantes, o ministro se comprometeu fortemente com as reformas.

Assim, o problema de Bolsonaro passa longe de não ter detalhado a reforma da Previdência, o que era mesmo descabido. O que falta em sua fala é outra coisa: assunto, alvo, objetivo. No máximo, pode-se dizer que ele se compromete com medidas liberalizantes da economia quando afirma:
"Vamos diminuir a carga tributária, simplificar as normas, facilitando a vida de quem deseja produzir, empreender, investir e gerar empregos. Trabalharemos pela estabilidade macroeconômica, respeitando os contratos, privatizando e equilibrando as contas públicas. O Brasil ainda é uma economia relativamente fechada ao comércio internacional, e mudar essa condição é um dos maiores compromissos deste Governo".

Notem: o que vai acima são temas da campanha eleitoral feita no Brasil, ao menos nas intervenções de Paulo Guedes. Trata-se de um conjunto de intenções. O viés é claramente liberalizante? É. Está mais para Chicago do que para Ernesto Araújo, o ministro das Relações Exteriores. Ao afirmar que temos uma "economia relativamente fechada ao comércio internacional", faz-se um aceno em favor de um maior compromisso com a economia globalizada. Eis a contramão do discurso da direita nacionalista e bocó, à qual se filia o tal Ernesto, seguindo as orientações do seu guru, Olavo de Carvalho. Segundo a metafísica dessa gente, Davos é só um dos tentáculos do comunismo internacional.

Incomoda-me, em particular, o tom servil do discurso no que respeita a fundamentos econômicos e arrogante quando o meio ambiente entra em pauta. Se vocês notarem, Bolsonaro não faz cobrança nenhuma ao resto do mundo. Não há uma só palavra sobre assimetrias, que são óbvias, entre os países ricos e pobres. O Brasil acaba de ser alvo de uma medida da União Europeia que sobretaxou o nosso aço. Não se deve transformar Davos num palanque, mas também não dá para fazer de conta que não existiu.

Bolsonaro foi para o encontro — expressão máxima, reitero, da economia global — para falar como um aluno que estivesse disposto a fazer a lição para agradar aos mestres. Num determinado trecho, só faltou cantar "Aquarela do Brasil". Afirmou:
"Vamos investir pesado na segurança para que vocês nos visitem com suas famílias, pois somos um dos primeiros países em belezas naturais, mas não estamos entre os 40 destinos turísticos mais visitados do mundo. Conheçam a nossa Amazônia, nossas praias, nossas cidades e nosso Pantanal. O Brasil é um paraíso, mas ainda é pouco conhecido".

Na era da tecnologia da informação, em meio à guerra comercial entre EUA e China, com uma perspectiva de desaceleração da economia mundial, evocar as fontes murmurantes, onde matamos nossa sede, costeia a bobagem.

Nem Lula, o homem do "nunca antes na história deste país" teve a coragem de dizer: "Pela primeira vez no Brasil um presidente montou uma equipe de ministros qualificados." Trata-se de um misto de arrogância e mentira. O presidente do país que fez o Plano Real não tem o direito de dizer algo assim.

Em sua fala, deu destaque a Moro:
"Aqui entre nós, meu ministro da Justiça e Segurança Pública, Sério Moro, o homem certo para o combate à corrupção e o combate à lavagem de dinheiro."

Pois é… Bolsonaro viajou levando na mala o "caso Flávio Bolsonaro", aquele que recorreu ao Supremo para barrar a investigação de um ex-assessor seu. Quanto mais a sua trajetória política é esquadrinhada, mais perguntas sem respostas aparecem.

Sim, o discurso evidenciou compromisso com a economia de mercado. Nem poderia ser diferente. Isso à parte, ouvimos generalidades, linguagem de campanha e tom subserviente, que só mudou quando o meio ambiente entrou em pauta:
"Somos o país que mais preserva o meio ambiente. Nenhum outro país do mundo tem tantas florestas como nós. A agricultura se faz presente em apenas 9% do nosso território e cresce graças a sua tecnologia e à competência do produtor rural. Menos de 20% do nosso solo é dedicado à pecuária. Essas commodities, em grande parte, garantem superávit em nossa balança comercial e alimentam boa parte do mundo.
Nossa missão agora é avançar na compatibilização entre a preservação do meio ambiente e da biodiversidade com o necessário desenvolvimento econômico, lembrando que são interdependentes e indissociáveis.
Os setores que nos criticam têm, na verdade, muito o que aprender conosco."

Pois é… O Brasil hoje é uma referência internacional positiva na área de preservação. Os discursos de Bolsonaro têm fragilizado essa condição, o que, obviamente, não é bom. Ele só teve de reforçar esse aspecto para enfrentar uma onda de descrédito proporcionada por suas intervenções no debate. Afirmar que aqueles que nos criticam têm muito a aprender conosco, numa alusão à pressão global em favor da preservação, apela a uma linguagem reativa e de desafio. O tom está errado. O Brasil tem, sim, um ativo importante a exibir ao mundo. Mas isso tem de ser posto de outro modo.

O discurso é ruim e sem alvo.

E, claro, ele não poderia deixar de fazer a defesa dos "verdadeiros direitos humanos". Ele deveria ter ensinado à plateia de Davos quais são os falsos…

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.