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Reinaldo Azevedo

Cadê o futuro ministro Moro para falar sobre o porte de armas? Dados números e perfil dos mortos, não seria solução, mas novo problema

Reinaldo Azevedo

05/11/2018 06h35

Ao mesmo tempo em que defende que "snipers" abatam bandidos, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o bolsonarismo defendem a liberalização da posse e do porte de armas. Na entrevista concedida ao programa "Poder em Foco", Eduardo afirmou sobre a mudança do Estatuto do Desarmamento: "Se o presidente, por exemplo, através de um decreto presidencial, disser o seguinte: enquanto tivermos mais de 20 mil homicídios por ano, presume-se efetiva necessidade para todo cidadão. Então, todo cidadão que for maior de determinada idade, nada consta com a Justiça, exame psicológico e a prova de manuseio vai poder adquirir arma de fogo."

Bem, pouco importa se você é contra a generalização da posse e do porte de armas ou a favor dela, uma questão tem de ser levada em conta de saída: isso não pode ser resolvido por decreto. Basta que o deputado mais votado do Brasil verifique as situações em que o presidente pode recorrer a esse instrumento. Se o fizesse, o texto seria derrubado pelo Supremo. Não sei de onde ele tirou o numero de 20 mil homicídios. No ano passado, houve mais de 63 mi. Isso implicaria uma redução a menos de um terço do que se tem hoje. Vai demorar muito. Com um aumento da circulação de armas, há o risco de que o número aumente.

De toda sorte, a ser assim, e se o argumento do deputado tem ao menos coerência interna, então seria preciso excluir, por exemplo, São Paulo da liberação porque basta que se faça uma regra de três. Com 45,5 milhões de habitantes, o Estado teve 3.503 homicídios em 2017. Se os números dessa unidade da federação se repetissem no Brasil inteiro, em vez mais de 63 mil homicídios, teria havido 15.936. Essa diferença deve querer dizer alguma coisa. E tudo indica, então, que armar ou não a população não guarda relação com a questão.

Para constar: segundo o Atlas da Violência de 2018, com dados até 2016, 71,5% das mortes se dão justamente por… armas de fogo. O perfil das vítimas também dá uma pista dos motivos: jovens representam 53,7% do total no país; elas são majoritariamente homens: mais especificamente, 94,6%. São negras ou pardas 71,5% das pessoas assassinadas. A esmagadora maioria é constituída de pobres.

Eis uma questão que merece a reflexão do futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro. Será que o doutor é capaz de enxergar nesses dados o peso do narcotráfico? Quando, ademais, se comparam os dados desiguais entre os Estados, que significado isso terá? Será mesmo a mudança do Estatuto do Desarmamento o melhor caminho para responder à carnificina?

Vejam que coisa: temos já anunciado um ministro da Justiça, que reunirá poderes como nunca houve na história da República. Ele será também o "homem que vai combater o crime". Bem, queremos saber sua opinião sobre esses temas.

Fale, Moro!

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.