Caso realmente prevaleça a decisão do CNJ sobre auxílio-moradia de juízes, faz-se o certo. Necessário é respeitar o teto, o que não se faz
Caso prevaleça a decisão do CNJ sobre auxílio-moradia — o valor só será pago a magistrados que mudem de cidade, sem residência própria no novo local de atuação, devendo ser destinado "exclusivamente" para ressarcimento de despesas, mediante comprovante —, o pagamento é defensável. E, como o benefício está condicionado à comprovação da necessidade, que prevaleça, como sempre, o bom senso. Creio que um juiz que tenha casa e trabalhe, por exemplo, na região metropolitana de São Paulo, ainda que em cidades distintas, não deva receber o auxílio-moradia, o mesmo valendo para outras áreas.
Volta-se, diga-se, àquela que era a prática original, prevista na Lei Ogânica da Magistratura desde 1979. Foi uma patranha judicial que tornou universal o pagamento do auxílio-moradia: o chamado princípio da isonomia tornou-se um privilégio e se transformou num aumento de salário — como, aliás, reconheceu o então juiz Sérgio Moro, que, em entrevista ao Roda Viva, justificou o fato de ele próprio receber o dito-cujo, embora proprietário de um apartamento em Curitiba.
Desde sempre, o pagamento do auxílio-moradia buscava fazer frente a uma necessidade; jamais deveria ter-se transformado num privilégio corporativista. E quem respondeu pelo truque foi o ministro Luiz Fux, com uma liminar concedida em 2014.
O problema é que há 17 mil juízes e 13 mil membros do Ministério Público. Os R$ 4.300 a cada um deles custam, por mês, aos cofres públicos R$ 129 milhões —ou R$ 1,548 bilhão por ano.
Alguém se atreveria a fazer a conta de quanto dinheiro indevido se gastou pagando auxílio-moradia a quem já tinha moradia?
"Ah, mas não se deu, em compensação, aumento aos magistrados…" Uma questão acabou vinculada à outra, o que jamais deveria ter acontecido.
Que se tenha um debate sério e maduro sobre o vencimento de juízes e membros do Ministério Público, pondo fim a todos os penduricalhos, que persistem nas duas carreiras. E que se tenha a decência de seguir o mandamento do texto constitucional, no Inciso XI do Artigo 37:
"A remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos".
Com a recente reposição, o ganho dos ministros do Supremo, antes dos descontos, passou a R$ 39,2 mil. Fez-se uma grita danada porque isso eleva o teto do pagamento.
É uma gritaria meio burra:
– se o teto realmente fosse respeitado, mesmo este de R$ 39,2 mil, a economia seria gigantesca. Ocorre que o dispositivo constitucional não é respeitado, e há penduricalhos de toda natureza sendo pagados, inclusive por decisão judicial;
– é uma vergonha — e, entendo, inconstitucional — o reajuste automático de juízes estaduais, por exemplo, ao arrepio da situação financeira dos Estados.
Também nesse assunto, como costuma acontecer, debate-se encarniçadamente o acessório e se deixa de lado o principal.