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Reinaldo Azevedo

Decisão de Fux sobre entrevista de Lula viola uma lei, 2 artigos da Constituição e regras de funcionamento do STF. Com qual objetivo?

Reinaldo Azevedo

01/10/2018 07h23

No 2ª dia do julgamento do mensalão, em 3 de agosto de 2012, um urubu apareceu no STF. A ave fez um passeio de aproximadamente dez minutos até ser capturada pelos brigadistas da Casa. Apesar da fama, o bicho é inofensivo e útil. Limpa o mundo da carniça. Já o urubu simbólico não é lá grande coisa. Nem as metáforas que andam pelo tribunal (Foto: Dida Sampaio/AE)

Estamos em ritmo de degradação institucional. Já apontei mais de uma vez que o próprio Supremo se deixou contaminar pelas ilegalidades sistemáticas cometidas pela Lava Jato. E, como é óbvio, se a lei não existe, então tudo é permitido.

O Supremo nunca assistiu, na democracia, a ato tão arbitrário como o tomado pelo ministro Luiz Fux, que cassou decisão de Ricardo Lewandowski, seu colega, que autorizava entrevista de Lula.

Notem: pouco imposta se você é contra a publicação da entrevista ou a favor dela. O que importa é saber se um preso pode ou não fazê-lo. Resposta: sim. A outra questão é saber se Fux poderia ou não cassar a decisão de Lewandowski. Resposta: não.

O jurista Lenio Streck explicou  tudo com clareza solar em artigo no site "Consultor Jurídico". Resumo.

1: A Folha havia solicitado autorização para fazer a entrevista à 12ª Vara Federal de Curitiba, responsável pela execução da pena de Lula. O pedido foi negado;
2: o jornal recorreu ao Supremo com uma "Reclamação", instrumento jurídico que pede que o tribunal chame para si algo de sua competência e que está senso usurpado por alguma outra instância;
3: Ricardo Lewandowski autorizou a entrevista. Atenção! Não se tratava de decisão liminar — temporária —, mas de mérito;
4: Fux, portanto cassou monocraticamente a decisão de um colega, o que também a lei não prevê.

Mas como Fux chegou a esse exotismo?

O Partido Novo recorreu à Presidência do Supremo contra a decisão de Lewandowski. O presidente do STF é Dias Toffoli, não Luiz Fux, que é vice. Por razão até agora não explicada, Toffoli permitiu que Fux atuasse em seu lugar, como presidente. O titular estava no Brasil. Ainda que estivesse no exterior, presidente seguiria.

E em que se amparou o Partido Novo para entrar com recurso? No Artigo 4º da Lei 8.437/1992. Lá está escrito:
"Art. 4º Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas."

E foi com base em tal artigo que Fux tomou a decisão destrambelhada. Bem, meus caros, isso torna tudo muito pior.

a: o Ministério Público não recorreu contra a decisão de Lewandowski;
b: partido político é pessoa jurídica de direito privado, não público, como exige a lei; logo, o Novo não tinha legitimidade para apresentar a petição;
c: Fux não se ocupou de demonstrar nem mesmo qua "grave lesão à ordem" a entrevista de Lula implicaria; limitou-se a especular que a dita-cuja poderia confundir o eleitorado;
d: o Artigo 4º não existe para que um ministro casse uma decisão de mérito tomada por outro; a ser assim, o país seria conduzido à virtual paralisia;
e: logo, nem o próprio Dias Toffoli poderia ter tomado aquela decisão.

E Fux, como se sabe, não se deu por contente em tomar uma decisão arbitrária, agredindo a lei. Ele resolveu tomar uma outra, desta feita ferindo a Constituição: reinstituiu a censura prévia no país ao vetar a publicação da entrevista caso já tivesse sido feita.

O repúdio à censura prévia está explicitado no Inciso IX do Artigo 5º, que é cláusula pétrea. Lá se lê:
"IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;"

Portanto, a Constituição impede o exame prévio, por um órgão do Estado, de conteúdo de qualquer natureza. A decisão de Fux agride ainda o Artigo 220:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

"Acho um absurdo um preso dar entrevista", pode afirmar alguém. Digamos que seja. Não estamos debatendo achismos ou questão de gosto, mas matéria legal e constitucional.

Assim…
Assim, que fique claro:

– Fux violou a Lei 8.437/92;
– Fux violou o Artigo 5º da Constituição;
– Fux violou o Artigo 220 da Constituição;
– Fux violou as regras de funcionamento do Supremo.

Em seu despacho, o sábio avalia que a entrevista poderia levar algum benefício ao ex-presidente e ao próprio PT. Quem garante? Mas isso é razão para violar a lei e para submeter o STF ao vexame?

O ministro se comportou, nos meses que antecederam a inelegibilidade de Lula, como um verdadeiro militante em favor dessa causa.

Eu ousaria dizer, por motivos que não sei explicitar, que Fux está com medo do PT.

Curioso para quem só chegou à corte porque prometeu "matar no peito" questão que era do interesse do partido.

De resto, pouco me importam as disposições subjetivas do ministro sobre isso e aquilo. O que interessa às pessoas que não perderam o juízo é o fato de que o juiz da corte constitucional do país violou a lei e a própria Constituição.

Para notar: em recente entrevista, Roberto Barroso, um dos braços da Lava Jato no Supremo, tentou criar uma crise no tribunal ao afirmar que gabinetes de ministros distribuíam senha para soltar presos. Emitiu, depois, uma nota se retratando.

Agora é Fux, outro braço da Força Tarefa no tribunal, a se esforçar para levar a confusão para dentro do tribunal.

Com qual propósito? Não sei. O que dá para saber, com certeza, é que estamos na reta final para a eleição.

Parece haver um monte de gente querendo usar a sua toga como se fosse urna eletrônica.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.