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Reinaldo Azevedo

Dodge vai ao STF contra surto fascistoide que varre universidades até sem mandado judicial; Cármen Lúcia é relatora. Leia integra da ADPF

Reinaldo Azevedo

27/10/2018 06h53

Raquel Dodge, procuradora-geral da República, entrou com uma ADPF no Supremo — Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental —, com pedido de limitar, para impedir que as universidades públicas e privadas sejam alvos da ação da Justiça Eleitoral e de forças policiais que agrida a livre manifestação do pensamento sob o pretexto de cumprimento da Lei Eleitoral. A integra está aqui .

Também nesta sexta, a ministra Rosa Weber, presidente do TSE, anunciou que a corregedoria do tribunal vai apurar se houve abusos. A relatora da ADPF será a ministra Cármen Lúcia.

Pelo menos 30 instituições de ensino foram alvos de ações que violam de forma arreganhada os Artigos 5º e 220 da Constituição, que garantem a liberdade de expressão; o Artigo 207, que assegura a autonomia universitária, e o Artigo 206, sobre os princípios norteadores do ensino.

ATENÇÃO! HÁ CASOS EM QUE AS FORÇAS POLICIAIS QUE CHEGARAM À UNIVERSIDADE NÃO ESTAVAM NEM MESMO MUNIDAS DE UMA ORDEM JUDICIAL. Uma assembleia de alunos chegou a ser realizada sob a vigilância da Polícia Federal. É o mais grave atentando à autonomia universitária desde a redemocratização do país. Como deixa claro Raquel Dodge, o Artigo 37 da Lei 9.504 não autoriza as óbvias violências que foram praticadas.

Ministros do Supremo foram praticamente unânimes em condenar o arroubo autoritário. A reação de Dodge está à altura da violência praticada. Se alguém acha que um debate contra o fascismo ofende a isenção partidária num ente público, resta-lhe como alternativas, então, fazer um contradebate em favor do fascismo ou organizar algum outro evento apontando o que considera descaminhos na manifestação contra a qual se organizou. As universidades abrigam o choque e o confronto de falas distintas. Ela não pode se caracterizar pelo silêncio imposto pela força armada.

Já escrevi a respeito e já tratei do assunto no meu programa de rádio. É claro que os entes de representação de universidades públicas são quase um monopólio de partidos de esquerda. Que os inconformados com isso se organizem, então, para vencer eleições, ora essa! E, em as vencendo, demonstrem que podem exercitar os valores democráticos que não reconhecem na ação dos adversários.

O que se viu nesses dias é um péssimo sinal. A máxima de Pedro Aleixo, ao se opor ao AI-5, em 1968, está se verificando. O problema mais grave da ditadura arreganhada que se inaugurava com ele nem eram os homens do presidente, as autoridades graduadas, mas o guarda da esquina, que se sentiria livre para fazer a sua própria leitura do dispositivo que reduzia a destroços os direitos individuais.

Retirar uma faixa contra o fascismo ou suspender um debate já é uma vergonha com mandado judicial. Já está caracterizado, parece-me, um claro abuso de autoridade. Fazê-lo sem mandado, bem, aí a ação já adentra o território do crime mesmo.

Escreve Raquel Dodge na ADPF:
"Vê-se, pois, que tanto o direito à livre manifestação do pensamento, à expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação e à liberdade de reunião (art. 5º-IV, IX e XVI da CF), como os princípios norteadores do ensino (art. 206-II e III da CF) e as garantias institucionais que asseguram a autonomia universitária (art. 207 da CF) ostentam a qualidade exigida para o conhecimento e processamento desta ação.
Além disso, há a observar que as decisões proferidas e aqui impugnadas contrariam a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que, reiteradamente, tem afirmado a liberdade de manifestação do pensamento e de comunicação.
Na espécie, os atos aqui impugnados viabilizaram ou ordenaram o ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas, o recolhimento de documentos, a interrupção de aulas e debates, a coleta irregular de depoimentos e, ainda, a retirada de nota pública assinada pelo reitor da Universidade Federal de São João Del Rey do sítio da referida universidade na internet."

E Dodge resume o pedido:
"Requer, ao final, que se declare a nulidade dos atos praticados e ora impugnados, tanto quanto de outros porventura cometidos e aqui não mencionados, assim como a abstenção, por quaisquer autoridades públicas, de todo ato tendente a, a pretexto de cumprimento do artigo 24 da Lei 9.504/97, determine ou promova o ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas, o recolhimento de documentos, a interrupção de aulas e debates, a atividade disciplinar docente e discente e a coleta irregular de depoimentos."

Assim tem de ser enquanto o Brasil for uma democracia.

Sim, meus caros, há muita coisa a tratar ainda. Não se pode permitir a deterioração da vida democrática, de modo que acabe não fazendo diferença viver numa ditadura formal ou numa democracia de fachada.

Que os descontentes com as manifestações daqueles a quem chamam adversários organizem as suas próprias intervenções em vez de tentar silenciar os oponentes.

Que a liminar seja de pronto concedida e que o tribunal faça, no julgamento posterior de mérito, um dos debates mais importantes da sua história: as universidades brasileiras podem conviver com a polícia de pensamento?

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.