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Reinaldo Azevedo

Dólar a mais de R$ 4 nada tem a ver com os dados das pesquisas; é só sem-vergonhice de especuladores. E não é difícil explicar por quê

Reinaldo Azevedo

21/08/2018 16h33

Os especuladores estão operando a pleno vapor. É o que fazem sempre em período eleitoral. A menos que o candidato dito "preferido do mercado" dispare nas preferências, o que quase nunca acontece de cara. Logo, a chance para chacoalhar a macieira para que caiam maçãs esta dada. A Bolsa opera em baixa de 0,79% enquanto escrevo. O dólar ultrapassou a marca dos R$ 4 — R% 4,04 às 16h30.  Em corretoras de São Paulo, chega a R$ 4,42; em Cumbica, R$ 4,73. Só Deus sabe a quanto pode chegar no Fundimundistão…

É medo do PT?

É medo de Jair Bolsonaro?

Segundo pesquisa CNT-MDA divulgada ontem, aumentou a vantagem de Lula na disputa pelo primeiro turno: saltou de 32,4% em maio para 37,3% agora. No segundo turno, a diferença para todos os seus adversários também cresceu. Venceria Bolsonaro, o segundo colocado, na pesquisa anterior, por 45,7% a 25,9%; agora, 50,1% a 26,4%. Quando confrontado com o tucano Geraldo Alckmin, dado como o preferido dos tais mercados, a distância também se ampliou: de 44,9% a 19,6% para 49,5% a 20,4%.

Ocorre que Lula não será candidato, e os mercadores de dinheiro sabem disso com mais clareza do que eu e você. Logo, Lula não será presidente da República. O estresse, não fosse o puro ânimo de especular, pois, se deve a dois fatores — um deles é claro: Bolsonaro. O Outro é uma soma de fatores.

Bolsonaro, que não sabe nem o que é divida interna e como equacioná-la, lidera a disputa quando Lula não está no jogo: no MDA, aparece com 20,7%; no Ibope, com 18%. Quando o ex-presidente não aparece na lista, o petista Fernando Haddad marca apenas 4% no Ibope, e o candidato do PSL vai a 20%. Em segundo lugar, vem Marina Silva (Rede), com 12%, e Ciro Gomes (PDT), com 10%. A turma que mercadeja dinheiro acha Paulo Guedes, o homem das finanças do capitão reformado, um cara legal. Mas sabe que, por óbvio, ele não será eleito. Como um presidente com a marca da extrema-direita traria consigo um potencial gigantesco de conflitos, a chance de Guedes ser sacrificado no altar do populismo antimercado seria gigantesca.

Assim, Lula não vem, e Bolsonaro é problema, não solução. Por enquanto, o candidato do chefão petista — Fernando Haddad — não emplaca, mas há a aposta de que isso possa acontecer, e parte da especulação se ancora nessa possibilidade. Já volto a esse ponto. Sigamos com os outros.

Sem Lula, Marina aparece em segundo lugar no Ibope, com 12%. Nas simulações de segundo turno, no instituto, empata com Bolsonaro. Acho que o venceria se isso acontecesse. Chegaria ao poder sem partidos no Congresso. Teria de constituir a base de apoio. Vendedores e compradores de dinheiro são espertos. Sabem que a candidata, hoje em dia, tem uma orientação em economia que pende mais o liberalismo do que para o esquerdismo. Mantém, ademais, interlocutores à direita e à esquerda.

Ciro também surge como possibilidade, tecnicamente empatado com Marina em segundo lugar quando Lula não está na lista. Dos candidatos viáveis, é quem fala uma linguagem que pode assombrar um pouco mais os moedeiros. Quando aponta que os encargos financeiros da dívida interna correspondem a mais de 50% do Orçamento e que a dita-cuja já ultrapassa R$ 5 trilhões tentam ler algo que não disse: calote. Quando no Executivo, sua história indica um comportamento conservador em relação a contas públicas. Mas há a crítica à reforma trabalhista e ao teto de gastos. Qualquer que seja o vitorioso, podem apostar, assistir-se-á a mudanças nas duas coisas. Talvez sua imprudência esteja em falar a respeito do assunto.

Alckmin, considerado o político imune a rompantes, aquele que faria mudanças com menos solavancos, aparece ainda em situação difícil nas pesquisas. No MDA, com 4,9%, com Lula na lista, empatado com Marina (5,6%) e com Ciro (4,1%). No Ibope, 5% com Lula e 7% sem, numericamente abaixo do pedetista (9%) e da candidata da Rede (12%). Mas por que seria diferente? Nada aconteceu de realmente relevante que pudesse mudar o quadro. Usar seu fraco desempenho de agora para justificar a instabilidade dos mercados é mesmo pura especulação. Antes do início do horário eleitoral, nada se pode dizer do comportamento do eleitorado. Desde o começo estava claro que as apostas do PSDB se concentram na propaganda no rádio e na TV.

E o risco PT?
É claro que já ouvi coisas como "tudo, menos PT". Vou aqui deixar de lado o meu gosto pessoal e tudo o que penso sobre o partido, expresso com clareza nos livros "O País dos Petralhas I" e "O País dos Petralhas II". Digam-me cá: dado o histórico do partido no poder, a sua eventual ascensão seria temida pelos financistas por quê? O, nesse caso, insuspeito Lula proclamou, certa feita, uma verdade incontrastável: nunca os bancos ganharam dinheiro como nos oito anos de seu governo. E continuaram a ganhar na gestão Dilma.

Convenham: esta senhora não afundou o país por causa da corrupção — nefasta, sim, mas o país não foi à lona por isso — ou de medidas supostamente socializantes. Talvez ela devesse ter ouvido menos os tubarões que a cotejavam — alguns deles agora dizem "PT nunca mais!" — em busca de subsídios e renúncia fiscal, o que colaborou, de maneira definitiva, para quebrar as contas públicas.

Volto à minha questão inicial: mas, afinal de contas, por que se movem com frenesi os especuladores? Só posso concluir que seja, então, por medo de Bolsonaro, que hoje é, em certa medida, o candidato mais estável. Conquistou, sim, uma massa de fanáticos, mas também não cresce. Sim, granjeou a simpatia de setores do mercado e do empresariado. E o fez de uma maneira singular, como me disse um desses endinheirados: "Como ele não entende nada de economia, vai ficar fora disso…" O próprio candidato demonstra sua predileção, em debates, por temas que realmente definirão o futuro do Brasil, não é mesmo? Aborto, maconha e kit gay…

Esse pedaço da elite reacionária que hoje pisca para Bolsonaro já tocou flauta para o PT. Era o tempo em que Reinaldo Azevedo batia boca com banqueiros — todos eles rendidos ao… petismo!

Mas volto ao ponto: dólar a mais de R$ 4 nada tem a ver com risco disso ou daquilo. Dólar a mais de R$ 4 é só uma manifestação da sem-vergonhice cívica. Esperem ao menos as pesquisas depois da primeira semana do horário eleitoral. Afinal, nem o inclassificável Cabo Daciolo lidera as pesquisas nem o socialista Guilherme Boulos.

Vamos ver o que diz o Datafolha nesta quarta.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.