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Reinaldo Azevedo

Gleisi, presidente do PT, e extrema-direita gostam do mesmo assunto: a possibilidade de indulto... impossível a Lula. É pura bobagem!

Reinaldo Azevedo

27/09/2018 07h57

Gleisi Hoffmann: presidente do PT gosta de debater assunto que também é do interesse da extrema-direita

A presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), não é um exemplo de habilidade política. Tenho cá minhas desconfianças se ela tem noção da complexidade da situação vivida pelo Brasil. A impressão é a de que ela é capaz de entender palavras de ordem e, digamos, seguir a orientação geral, mas sem habilidade específica para as modulações e para alcançar as consequências das coisas que diz. A  incompatibilidade com uma inteligência estratégica mais refinada é de tal sorte que, neste momento, ela e a extrema-direita se afinam na ênfase à possibilidade do impossível: a concessão de indulto presidencial a Lula se Fernando Haddad for eleito.

Gente que opina com os cotovelos e que ignora a lei e a Constituição insiste nessa possibilidade. Ou, então, o faz quem está interessado em enganar a audiência. Como, nesse mundo horizontalizado da Internet, há o risco de ganhar mais "likes" quem sustenta que a Terra é plana, uma espécie de disco, com o Sol girando à sua volta, do que aquele coitado que se arriscar a dizer que não, que a dita-cuja é redonda mesmo, símil a uma bola, meio achatada nos polos, gravitando em torno do Sol… Como as teses influentes costumam ter hoje a profundidade de um disco, os idiotas, como observou Umberto Eco, andam "empoderados", para empregar uma palavra influente. A estupidez se confunde com sinceridade; a ignorância, com direito a uma opinião; a vigarice, com intuição e saber rústico, de raiz.

E aí o sujeito diz: "O presidente pode tirar da cadeia quem lhe der na telha". Se você responder um "Não! Não é assim! A lei não permite!", corre o risco de ouvir como resposta: "Bom, essa é a minha opinião. Não posso ter uma opinião?". E, quando você menos espera, está debatendo se o cara tem ou não o direito de dizer asneiras, como se essa fosse a questão. É claro que tem. Ocorre que opinião sobre um fato que não existe, não sendo a tal asneira, é tentava de enganar o outro.

Voltemos a Gleisi. Em entrevista ao UOL, a presidente do PT afirmou a seguinte pérola:
"O indulto é uma previsão constitucional. O Lula é inocente. Eu não veria problema nenhum em o presidente eleito dar indulto ao presidente Lula. Isso aí é absolutamente normal. Mas nós vamos respeitar a decisão do presidente Lula. Se ele não quer, nós vamos respeitar. Mas não haveria problema nenhum em fazê-lo. Acho que Lula tem que ser colocado em liberdade o mais cedo possível".

Pela ordem:

1: O indulto é uma previsão constitucional, sim. Está no Inciso XII do Artigo 84 da Constituição. Gleisi não deve tê-lo lido inteiro. Lá está uma condicionante, que reproduzo:
"XII –  Compete privativamente ao presidente da República conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei".

A Lei de Execuções Penais trata do indulto individual entre os Artigos 188 e 192. Pode ser solicitado até pelo preso, passando pelo Ministério da Justiça, antes de chegar às mãos do presidente. Mas não pode ser, obviamente, por inconformismo com a condenação ou com a pena ou porque, como alega Gleisi, o preso se considera "inocente". A petista diz que a concessão seria "absolutamente normal". Bem, tanto não é que é cabe o desafio: "Cite aí, Gleisi, quem é que teve indulto individual no país…"

O presidente da República não é uma instância do Judiciário.

2: o indulto de Natal —uma tradição no país — é coletivo: o presidente estabelece, no decreto, os critérios para soltar presos. Mas tem de fazê-lo segundo exigências. As pessoas condenadas por prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e crimes definidos como hediondos não são passíveis do benefício. As restrições estão no Inciso XLIII do Artigo 5º da Constituição. A partir do ano passado, o Supremo impôs mais uma restrição: crimes de corrupção não podem ser indultados. Lula foi condenado por corrupção passiva e lavagem.

3: Gleisi diz: "Nós vamos respeitar a decisão do presidente Lula; se ele não quer, nós vamos respeitar". Sim, é verdade! O ex-presidente já afirmou não querer o indulto. Mas sua vontade não tem a menor importância nesse particular.  Caso Haddad se eleja presidente, Gleisi faz parecer que Lula só continua preso se quiser, como se pudesse escolher. E isso é uma grossa bobagem.

As outras hipóteses de livramento são a "graça", que é apenas citada no Inciso LXIII do Artigo 5º da Constituição, sem que se diga o que é, e a anistia, que só pode ser concedida pelo Congresso, conforme dispõe o Inciso VIII do Artigo 48. Ainda que o Executivo mandasse ao Parlamento matéria nesse sentido, a palavra final seria de deputados e senadores.

Restaria ainda a hipótese do indulto humanitário. Mas, felizmente, que se se saiba, Lula não se encaixa nos requisitos.

Indagado, em sabatina promovida pelo Portal G1 e pela CBN, Haddad já negou a disposição de conceder indulto individual  — que seria justamente a graça. E a razão é simples: ele sabe que eventual decisão nesse sentido, se eleito, seria barrada pelo Supremo.

De resto, Lula ainda tem direito ao Recurso Especial, no STJ, quando pode, então, alegar razões processuais para pedir a absolvição. E restará como ultimíssima instância o Recurso Extraordinário ao Supremo. E ele já anunciou que percorrerá esse caminho. Mas notem: Lula não é como aquele sapo que não lava o pé porque não quer — e, pois, lavaria se quisesse. Está mais para o de Guimarães Rosa, que pula por necessidade, não por boniteza. Ele vai apelar até a última instância porque é o único caminho.

E que se note para encerrar: se e quando o Supremo votar a Ação Direta de Constitucionalidade que trata do Artigo 283 do Código de Processo Penal, que define, como está no Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição, que só se pode começar a cumprir pena depois do trânsito em julgado, Lula pode deixar a cadeia, sim, se sua condenação não tiver ainda transitado em julgado. Se a condenação for confirmada em última instância, volta para a cadeia.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.