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Reinaldo Azevedo

Guedes pode não conhecer Simões, mas Simões conhece Guedes e é próximo de gente com poder na transição e depois dela também

Reinaldo Azevedo

24/12/2018 16h53

Quem quer que tenha conversado com Paulo Guedes a respeito do assunto ouviu o futuro ministro da economia afirmar nem saber quem é Thiago Taborda Simões, o advogado investigado pela Receita e pela Polícia Federal, suspeito de integrar uma quadrilha que deu um prejuízo de R$ 500 milhões ao Fisco. A operação que trata do assunto, a "Chiaroscuro", tem seu nome haurido das artes plásticas. Em italiano, quer dizer literalmente "claro-escuro" — ou "luz e sombra". Na pintura, pode dar em Caravaggio. Na área policial, parece sugerir que uma vida glamorosa — a luz — pode estar associada ao submundo: o lado sombrio da força.

Vamos dar de barato — e não tenho, em princípio, motivos para desconfiar — que Guedes realmente não saiba quem é Simões. O fato é que Simões sabe quem é Guedes. E isso nos remete a questões relevantes sobre a vida pública: quem o poder atrai?; que tipo de gente vai se juntando, mesmo à revelia do chefe?; essas pessoas que vão se agregando foram atraída por quais outras, que compõem o núcleo duro?

O poder é formado também por afinidades eletivas, por indivíduos que vão se escolhendo segundo inclinações, opções, valores. Num mandado de busca e apreensão na casa do tal advogado, encontraram-se maconha e cocaína. Um poder que se instaura, aos olhos do grande público, tendo mandamentos de moral e civismo como sua página de rosto sente particular incômodo com notícias assim.

Note-se que não se disse que Guedes esteve com Simões, mas que o rapaz participou de duas reuniões com a equipe de transição da área econômica, que é chefiada pelo futuro ministro. E a informação não foi contestada. O desconforto remete à metafísica destes dias, que vai dar trabalho a esse governo e a quantos venham a sucedê-lo enquanto ela for influente: ser o chefe, ainda que indireto, de gente que fez coisa errada mandou um ex-presidente para a cadeia, certo?

Como confessa — se me permitem o verbo — Sérgio Moro na sentença que condenou Lula, o ex-juiz não encontrou, por exemplo, liame entre o apartamento de Guarujá e os contratos firmados com a Petrobras pelos consórcios integrados pela OAS. A "narrativa", como virou moda dizer, foi a seguinte: a empreiteira reformou o tal imóvel para Lula, ainda que este jamais dele tenha se apossado; a empresa integrava consórcios que fizeram lambança na Petrobras; o petista nomeou os diretores; logo, a tal reforma no apartamento seria uma espécie de pagamento ao mandatário por manter aqueles diretores que participaram das falcatruas. Lula pode ser culpado de coisa até mais cabeluda — que se prove! Mas a síntese que vai acima como exercício de direito penal é miserável.

Alguém levou Simões para as reuniões. Quem e com que propósito?

Dá para saber de quem o advogado-problema é próximo: dos irmãos Abraham e Arthur Weintraub, que não são lambaris da transição, mas tubarões. Como informa a Folha, "foi a Simões que Arthur Weintraub recorreu quando decidiu processar por dano moral uma aluna sua da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que o acusou de ser 'mau caráter'". É proximidade mesmo. O advogado, ex-conselheiro do Carf (Conselho Administrativo da Receita Federal), não é especializado na área penal. Ao jornal, ele admitiu ter participado das duas reuniões como especialista em temas da área econômica.

Os irmãos Weintraub coordenam, durante a transição, os trabalhos sobre a reforma da Previdência. São vozes muito influentes na turma da transição — e não apenas na área econômica. Abraham é dado como nome certo para ser o número 2 de Ônix Lorenzoni na Casa Civil. E o perfil da dupla está longe da frieza técnica e impessoal.

Os dois foram convidados para a tal "Cúpula Conservadora", liderada por Eduardo Bolsonaro, para falar sobre economia. Preferiram o proselitismo político. Defenderam que o, digamos, "método" Olavo de Carvalho de debate — que consiste em xingar os oponentes — se torne um norte. E foi Abraham, que pode ser o segundo de Ônix, a resumir como tratar um adversário:
"Quando ele [um comunista] chegar para você com o papo 'nhoim nhoim', xinga. Faz como o Olavo de Carvalho diz para fazer. E quando você for dialogar, não pode ter premissas racionais".

Eu ousaria dizer que o método não funciona. Os Weintraubs podem mandar todos os que consideram inimigos para a Cuba que supostamente os pariu, e permanecerá a questão: quem levou Simões para as duas reuniões da equipe de transição econômica, de que Paulo Guedes é chefe, mesmo que nunca tenha visto o tal advogado?

A propósito: a Casa Civil vai ser um lugar de articulação política ou de xingamento?

Se algum eventual leitor bolsonarista achar que estou forçando a mão, faça o seguinte: finja que Fernando Haddad venceu a eleição e que Simões, com o histórico que tem, participou de duas reuniões da equipe de transição da área econômica e que é amigo do futuro numero dois da Casa Civil. Aí vá para as redes sociais e diga o que você pensa a respeito. Não é um exercício difícil de fazer.

Deve mesmo ser verdade que Guedes não conhece Simões. Mas Simões conhece Guedes e conhece gente que vai ser um dos múltiplos braços do futuro ministro. E assim se aproximou do futuro poder.

É nessas afinidades que mora o perigo. É justamente aí que as sombras ameaçam a luz.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.