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Reinaldo Azevedo

Homem de Bolsonaro para agronegócio e meio ambiente está fazendo confusão. Em defesa do agro e da natureza, eu a desfaço. Com leis!

Reinaldo Azevedo

17/10/2018 16h45

Luiz Antonio Nabhan Garcia, presidente da UDR. Comprando brigas desnecessárias e contraproducentes

Leiam trecho da entrevista concedida por Luiz Antonio Nabhan Garcia, presidente da UDR (União Democrática Ruralista), cotado para assumir o Ministério da Agricultura no governo Bolsonaro — ministério que, a depender de sua vontade, vai abrigar o do Meio Ambiente e também o do Desenvolvimento Agrário. Volto em seguida.

Por Eduardo Scolese:
Amigo de Jair Bolsonaro e cotado para assumir o Ministério da Agricultura em eventual governo do candidato do PSL, Luiz Antonio Nabhan Garcia, 60, defende a fusão da pasta com o Desenvolvimento Agrário e o Meio Ambiente para, segundo ele, acabar com o que chama de "misturança ideológica" na questão ambiental. "Criou-se uma fantasia, uma lenda, onde, no Brasil, o cara que degrada o meio ambiente é o produtor rural. É exatamente o contrário. Esse produtor rural é o maior conservador do meio ambiente", diz Nabhan, presidente da UDR (União Democrática Ruralista) e conselheiro de Bolsonaro sobre o tema.

Nabhan se fia no Código Florestal para dizer que há espaço para desmatar legalmente a Amazônia. De acordo com a lei, o proprietário de terras deve manter 80% da floresta preservada na Amazônia Legal —área que engloba nove estados com o mesmo bioma e que corresponde a 59% do território brasileiro.  Assim como o presidenciável, Nabhan defende a saída brasileira do Acordo de Paris e fala no fim da "indústria da multa" pelos fiscais do Ibama. Para ele, há "muita fantasia, muita lenda" sobre o aquecimento global.

Nabhan, dono de propriedades em Mato Grosso (soja, milho e algodão) e Mato Grosso do Sul (eucalipto e pecuária), é contra o desmatamento zero, mas defende o atual modelo do Código Florestal. A ideia de Nabhan e da campanha de Bolsonaro é unir agricultura, ambiente e reforma agrária numa mesma pasta. Mas, sobre esse último item, segundo ele, não há nenhum espaço para diálogo com o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). "Se o Bolsonaro sentar com eles, será a maior decepção de quem o elegeu", afirma. Além da ala de Nabhan, que reúne produtores independentes de todo o país, a Frente Parlamentar da Agricultura e a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) também entraram na disputa pela indicação do ministro dessa superpasta em eventual governo de Bolsonaro.

Como seria, no eventual governo Bolsonaro, esse ministério que uniria Agricultura, Desenvolvimento Agrário e Meio Ambiente? Qual a ideia?
A ideia é reduzir o número de ministérios. A fusão não será só essa. Historicamente, a questão fundiária e agrária sempre estiveram vinculadas à pasta da Agricultura. E por que também [unir com] o Ministério do Meio Ambiente? Porque o grande drama que o Brasil passa na questão ambiental está justamente nas áreas rurais.

A questão ambiental está muito ligada ao campo, como Amazônia Legal e agronegócio. Nesses últimos governos, de FHC e os do PT, começou a ter uma misturança ideológica em cima desta questão ambiental. E na questão da economia também, porque existem milhares de ONGs aqui no Brasil com interesses escusos.
Criou-se uma fantasia, uma lenda, onde, no Brasil, o cara que degrada o meio ambiente é o produtor rural. É exatamente o contrário. Esse produtor rural é o maior conservador do meio ambiente.

Mas agricultura e ambiente hoje não são forças antagônicas? Uma pressiona para avançar cada vez mais com plantações e pastagens enquanto outra briga justamente para evitar isso. Como harmonizar esses dois lados em uma mesma pasta?
Cumprindo a lei, simplesmente cumprindo a lei.

Mas a lei hoje não é cumprida?
Claro que não. Se dependesse dos ambientalistas, o Brasil não tinha um pé de soja. Se dependesse dessas ONGs, não teria um pé de soja. Querem transformar a nossa Amazônia em um outro país. Isso é um absurdo.

Por que Bolsonaro vai numa linha contrária ao Acordo de Paris e à meta de desmatamento zero?
Eu não falo em nome do Bolsonaro porque não tenho procuração do Bolsonaro. Mas, pelas conversas que tenho tido com ele sobre isso, o Acordo de Paris não pode passar por cima da legislação brasileira. Não pode. Temos um Código Florestal que foi debatido por dez anos na sociedade e no Congresso. É soberano e vigente. O Acordo de Paris não pode intervir na soberania de um país. O que o Acordo de Paris e seus integrantes estão dando em troca para o Brasil adotar o desmatamento zero? As novas fronteiras agrícolas foram desmatadas dentro da lei, e o que não é dentro da lei temos uma legislação para punir. Eles não fazem a obrigação deles e querem que o Brasil faça, de graça.

O sr. acha que cabe mais desmatamento na Amazônia?
Mas é óbvio; o sujeito tem uma propriedade, comprou e pagou. A lei diz que em área de floresta eu tenho direito de abrir 20% e deixar 80% de reserva e, na área de cerrado, de abrir 65% e deixar 35% de reserva legal. Está na lei. A lei vigente.

A questão do desmatamento zero remete também ao aquecimento global…
Essa já uma outra discussão, técnica, que criaram muita fantasia, muita lenda em cima, nesse processo ideológico dessa esquerda que tentou dominar o mundo e está indo por água abaixo.

(…)
O Bolsonaro fala em retirar o Brasil do Acordo de Paris e, ao mesmo tempo, em acabar com o que chama de 'indústria da multa' do Ibama. Isso não são sinais claros para ligarem as motosserras?
Uma proposta que o Bolsonaro me disse é o seguinte: se nós temos um Código Florestal, eu não posso comprar uma motosserra e ir lá desmatar o que a lei me permite?

A questão é o desmatamento ilegal. O que seria essa indústria da multa?
São justamente os exageros e as injustiças cometidas. O sujeito desmatou um pedaço dentro da terra dele, dentro da lei, aí vai um fiscal lá do Ibama, diz que desmatou errado e multa. Depois demora dez anos em uma briga judicial para ele ser considerado inocente. Eu nunca vi em lugar nenhum o Bolsonaro afirmar que vai dar um atestado de isenção de multa. Ou que alguém esteja imune à multa. As multas tendenciosas e fabricadas precisam acabar.

(…)
Como presidente da UDR, o senhor se recusou a sentar em uma mesma mesa com coordenadores nacionais do MST [dos sem-terra]. Esse padrão será mantido no governo Bolsonaro?
Eu digo por mim. Eu nunca sentei com fora da lei e continuo me recusando. MST não é movimento social coisa alguma.

Bolsonaro vai sentar com eles?
Não sei, não sei. Se ele sentar, irá contra tudo o que sempre diz. Como pode o Bolsonaro sentar pra discutir com o [João Pedro] Stedile, com o Zé Rainha [ex-integrante do MST]? São chefes de organização criminosa. São subversivos, pessoas que querem o desastre do Brasil. Essa gente não pode ser considerada líder de movimento social. Tenho certeza que o Bolsonaro se sentará com líderes de movimentos sociais, com quem quer que seja, mas dentro da lei e com pessoas que respeitam a lei. Se um dia o Bolsonaro sentar com Stedile, por exemplo, vai ser um desapontamento e uma grande frustração para todos.

Ele, se for eleito presidente, não deveria conversar com todo mundo?
Todo mundo, não. Vai conversar com fora da lei? Com movimento subversivo? Se o Bolsonaro sentar com eles, será a maior decepção de quem o elegeu.

(…)
Íntegra aqui. aqui

Comento
Seria melhor que não fosse assim, já que Jair Bolsonaro será eleito presidente da República. Mas é: seus homens de confiança estão fazendo uma baita confusão.

Atenção! O chamado "desmatamento zero" não quer dizer que não se possa mais derrubar uma árvore para plantar. Quer dizer apenas que não se pode desmatar além do que dispõe o Código Florestal. A íntegra do texto está aqui.

Prevê, por exemplo, o Artigo 12:
Art. 12.  Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel, excetuados os casos previstos no art. 68 desta Lei:
I – localizado na Amazônia Legal:
a) 80% (oitenta por cento), no imóvel situado em área de florestas;
b) 35% (trinta e cinco por cento), no imóvel situado em área de cerrado;
c) 20% (vinte por cento), no imóvel situado em área de campos gerais;
II – localizado nas demais regiões do País:
20% (vinte por cento).

E a própria lei prevê flexibilidade no caso dos 80% da Amazônia legal. Prevê, por exemplo, o Parágrafo 4º do Artigo 12:
"§ 4º  Nos casos da alínea a do inciso I, o poder público poderá reduzir a Reserva Legal para até 50% (cinquenta por cento), para fins de recomposição, quando o Município tiver mais de 50% (cinquenta por cento) da área ocupada por unidades de conservação da natureza de domínio público e por terras indígenas homologadas".

Muito bem! O que isso quer dizer? Que, quando se fala em desmatamento zero, está a se falar de desmatamento dentro do que estabelece o Código. Se alguém é proprietário de uma fazenda em área de florestas da Amazônia Legal e ocupa com a atividade agropecuária apenas 10% da propriedade e não 20%, como a lei permite, então poderá desmatar uma parte da área e ainda estará de acordo com a chamada meta de desmatamento zero — desde que não incida em outros óbices do código para as áreas de proteção permanente, como a proteção aos cursos d'água, previstos no Artigo 4º.

O curioso é que o próprio Nabhan diz defender o Código Florestal — um texto por cuja aprovação eu me bati de maneira dedicada porque ele me parece sensato: preserva o direito à produção e também e atua em favor da conservação, hoje um ativo importante do Brasil no mundo.

O Acordo de Paris está aqui. Não há nenhuma incompatibilidade entre o Código Florestal e o dito-cujo. Trata-se, na verdade, de um tratado que se compromete com meta de controle do aquecimento global. Foi assinado em 2015 por 195 países. Se o Brasil cumprir o seu Código Florestal, estará dando um passo importante para cumprir as metas acordadas. É claro que há os fatores urbanos e de produção industrial que incidem na emissão de carbono. Não há nenhuma razão para deixar o Acordo de Paris. Se o país o fizer, o agronegócio brasileiro poderá encontrar severas dificuldades no mundo.

Afirma Nabhan contra a ação dos fiscais:
"São justamente os exageros e as injustiças cometidas. O sujeito desmatou um pedaço dentro da terra dele, dentro da lei, aí vai um fiscal lá do Ibama, diz que desmatou errado e multa. Depois demora dez anos em uma briga judicial para ele ser considerado inocente. Eu nunca vi em lugar nenhum o Bolsonaro afirmar que vai dar um atestado de isenção de multa. Ou que alguém esteja imune à multa. As multas tendenciosas e fabricadas precisam acabar."

Sim, mas, então, que se cuide de coibir a ação indevida dos fiscais. Que, inclusive, todo auto de infração tenha de ser documentado, filmado.  Onde houver Internet, num celular ou tablet; onde não houver, por outro meio que dispense a rede. Mais: que se estabeleçam, então, prazos para recurso e resposta dos órgãos competentes. Nem a prática abusiva de fiscais nem a reação a ela podem levar o produtor rural a ser confundido com um desmatador.

O link do Código Florestal está à disposição. O do Acordo de Paris também. O presidente da UDR diz concordar com a lei que temos. Que aponte, então, onde está a contradição com o acordo. Não há.

Confusão e terrorismo
Reitero que misturar a agricultura e pecuária com meio ambiente corresponde a atravessar a rua para comprar um problema desnecessário. Se há fiscais que atuam de forma abusiva, que se corrija o problema.

Quanto à defesa que faz Nabhan de não se conversar com o MST… Bem, eu não tenho nenhuma simpatia pelo movimento e considero, sim, que, mais de uma vez, promoveu ações criminosas e permaneceu impune. Existem exemplos aos montes. Há atos que poderiam ser enquadradas na lei que temos de combate ao terrorismo? Há, sim.

Um governo tem a obrigação de conversar com todo mundo que faça reivindicações dentro dos limites legais. Tenha que nome for. O Brasil tem uma Lei Antiterrorismo, aprovada no governo Dilma: a 13.260. Lá se define como terrorismo:
Art. 2º  O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

E depois há o detalhamento das condutas.

O que precisa ser revogado nessa lei? O Paragrafo 2º do Artigo 2º, que define:
"O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei."

Ora, inexiste "terrorismo do bem". A ser assim, basta que se alegue uma finalidade humanamente nobre, e pronto!

Fui um duro crítico desse texto.

Mas o que escrevo acima é coisa muito distinta de "não conversar", de se negar ao diálogo. Até porque isso não é sinônimo de ceder ou evidência de fraqueza. Puna-se o que for crime. Mantenha-se a conversa com quem reivindica.

Ou Bolsonaro e seus seguidores percebem que ele será presidente de todo o Brasil, ou o país caminha para uma encalacrada em que só haverá, no médio prazo, derrotados.

Ninguém chega ao poder para ser voz absoluta. Ainda que tenha razão.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.