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Reinaldo Azevedo

Lula logo seria declarado inelegível, dentro da lei; TSE o fará já, chutando a lei. Ele só está nessa porque acusado de ter chutado a lei

Reinaldo Azevedo

31/08/2018 16h38

O TSE vai julgar hoje o mérito do registro da candidatura de Lula (PT) à Presidência. Desrespeita os prazos estabelecidos em lei. Estamos diante da evidência de que o ministro Roberto Barroso, o relator, já tinha o seu voto pronto, pouco importando o que dissesse a defesa. Quanto vai nos custar no futuro o atropelo em cascata da lei? Digamos que não será no futuro. O preço já está no presente.

Não havia como tirar Lula do horário eleitoral sem atropelar o Artigo 16-A da Lei 9.504. Se quiserem, no terreno da ironia, eu me desculpo por falar em lei quando se trata de analisar a decisão de um tribunal. Parece que isso se tornará dispensável no mundo dos justiçamentos levados a efeito por togados. O que se vê no TSE é a versão chique da fala de Jair Bolsonaro: "Policial que mata 30, 40, deve ser condecorado". Assim, juiz que atende à gritaria de uma parte da galera deve ser condecorado.

O Artigo 16-A da Lei 9.504, que é a Lei Eleitoral, introduzido pela lei 12.034, de 2009, é explícito:
"O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior".

Assim, até que não se julgasse a elegibilidade ou inelegibilidade da candidatura, o petista teria o direito de participar do horário eleitoral.

À diferença do que diz o Ministério Público Federal, a inelegibilidade de Lula é "presumida", não "manifesta". Precisa do pronunciamento do Tribunal Superior Eleitoral, e este tem de fazê-lo segundo os ritos, que agora estão sendo desrespeitados sob o pretexto de, como dizer?, "limpar a área de contratempos". Como esquecer que a própria Lei da Ficha Lima permite que o provável inelegível recorra?

Nos bastidores, ministros de tribunais superiores dizem quase a uma só voz: está em curso um processo de exceção. A eventual vitória do PT nas urnas é, a meu juízo, uma das coisas ruins que podem acontecer ao país. Mas não me peçam para apoiar a agressão à ordem legal sob o argumento de que, assim, se evita o mal maior.

O mal maior, no médio e no longo prazos, sempre será desrespeitar as leis. No curto prazo, tal prática pode até surtir efeito contrário ao desejado.

É claro que Lula seria considerado inelegível dentro de alguns dias. Mas por que ignorar as testemunhas de defesa? Por que o relator, Roberto Barroso, não finge ao menos algum decoro e usa um dia que seja dos três que tem para dar o seu voto? Porque, diz Raquel Dodge, procuradora-geral da República, trata-se do uso de dinheiro público. Logo, se já se sabe que Lula será declarado inelegível, que se antecipe a decisão. E ela pede ainda o ressarcimento do dinheiro do Fundo Eleitoral referente ao tempo em que Lula foi mantido como candidato — como se a escolha política do partido e o registro da candidatura tenham constituído agressões à ordem legal.

E uma piada de mau gosto.

Isso nada tem a ver com a inocência ou culpa de Lula. Tem a ver com o andamento de um processo, de qualquer processo, na democracia. E seria menos vexaminoso se não houvesse histórico de candidatos que tivessem mantido a candidatura sub judice e vencido a batalha da impugnação. E há.

A máxima em curso é a seguinte: "Já que nós vamos mesmo declarar Lula inelegível em futuro próximo, então por que não fazê-lo já?" É o que chamo de "Direito da Desarrumação". O paralelo no seu cotidiano, leitor, seria este: "Já que vou ter de desarrumar a cama quando for dormir, por que arrumá-la ao acordar?" Na medicina, seria a aplicação da TAI: Terapia da Antecipação do Inevitável. O sujeito vai morrer daqui a uns dois ou três anos? Por que não já? Se estiver fazendo tratamento em instituição pública, evita-se o gasto inútil do dinheiro dos contribuintes. Se for com recursos privados, preserva-se o interesse dos herdeiros.

É uma aberração.

"Olhe tudo o que o PT roubou, Reinaldo; veja as acusações! Preste atenção ao que diz a Lava Jato".

Não venham ensinar Padre Nosso ao vigário. Conheço a missa inteira. O ponto não é esse. O PT ou qualquer outro que, em algum ponto da trajetória, tenham desrespeitado as regras do jogo têm de ser punidos segundo as regras do jogo. Afinal, é por causa delas que tantos políticos Lula inclusive, foram parar no banco dos réus. Fraudá-las em nome da sua preservação é uma perversão do direito, da lógica e da ética.

Nota: parte do PT está até aliviada. Tinha, e tenho ainda, minhas dúvidas se o PT conseguiria operar a transferência de votos para Fernando Haddad. Já é difícil a começar de agora. Mas é claro que as chances do ex-prefeito de São Paulo aumentam com duas semanas a mais de campanha. E o PT ganha um reforço no chamado "discurso da resistência".

Respeitando-se os prazos, Lula seria declarado inelegível. E se estaria cumprindo a lei, independentemente da qualidade da sentença que o condenou e da decisão que o mantém preso.

Desrespeitaram-se os prazos, e Lula será declarado inelegível logo mais. Atropelou-se a lei sob o pretexto de cumpri-la.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.