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Reinaldo Azevedo

Na Colômbia, falando em nome do pai, Eduardo Bolsonaro volta a falar sobre a possibilidade de não haver a reforma da Previdência. Lamentável!

Reinaldo Azevedo

03/12/2018 17h24

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), um dos filhos políticos de Jair Bolsonaro (PSL), presidente eleito, está agora na Colômbia, depois de passar pelos Estados Unidos. É evidente que ele fala demais. Não menos evidente está, também, que fala com delegação do pai. Ou, a esta altura, já teria se calado. Nessas viagens, coloca-se como uma espécie de embaixador do novo governo. Um pragmático poderia dizer: "Convenha, entre ele e Ernesto Araújo, a diferença estaria apenas nas citações de rodapé; é provável até que Eduardo seja preferível a Ernesto Araújo porque há certa ingenuidade reveladora em seu discurso…" Pode ser.

É curioso o ponto de vista a partir do qual fala Eduardo Bolsonaro. Em certa medida, ele vê a si mesmo como um dos críticos do bolsonarismo poderia fazê-lo. Se Sérgio Moro, ao falar num seminário a ilustrados, em Madri, tenta disfarçar o viés reacionário da gestão Bolsonaro, não se nota em Eduardo tal preocupação. Em entrevista ao programa "A Hora da Verdade", da Rádio Red da Colômbia, afirmou o seguinte sobre as reformas:
"A esquerda vai tentar parar a todo o momento as reformas, o crescimento econômico. Se o Congresso não aprovar as reformas, ao menos vamos ter tentado. Temos de colocar as reformas adiante e comunicar os eleitores para que eles pressionem seus deputados para que eles as aprovem".

Certo!

Como se nota, mais uma vez, Eduardo lida com a hipótese de que a reforma não avançar. E ele já tem o culpado: as esquerdas. É mesmo? Com boa vontade na contagem, a esquerda terá 148 deputados na Câmara: PT (56), PSB (28), PDT (28), PSOL (10), PCdoB (9); PPS (8), PV (4) e Rede (1). Os outros 365 estão disponíveis para ser conquistados pelo governo Bolsonaro. Para aprovar uma emenda constitucional, são necessários 308 votos. No Senado, a coisa é ainda pior as esquerdas: apenas 19 cadeiras — e olhem que estou considerando a Rede de esquerda: PT (6), Rede (5), PDT (4), PPS (2) e PSB (2). Sobraram imodestos 62 senadores. Para aprovar uma emenda, são necessários 49.

Assim, se Bolsonaro não conseguir aprovar propostas no Congresso que requeiram três quintos das duas Casas, a incompetência será só sua — ou daqueles que elegeu como seus interlocutores junto ao Parlamento.

E o problema está aí. Aquele que fala com delegação do pai, embora seja o deputado federal mais votado da história do país, continua a ver os políticos como escória. Afirmou sobre Bolsonaro, seu pai: "Ele vai armar sua equipe de trabalho e não tem que conceder cargos a ninguém". Isso quer dizer que fez uma opção de governar sem os partidos. Os de esquerda certamente estão fora da aliança, mas, como já vimos, não têm peso para aprovar ou para barrar o que quer que seja.

A convivência de Eduardo Bolsonaro com profetas parece estar a lhe conferir também certos dons mediúnicos, de sorte que ele é capaz de fazer previsões sobre o futuro da vontade do eleitorado: "Seguramente, repito aqui o recado que deixei nos Estados Unidos. Não seremos mais socialistas, seremos um País conservador e liberal em termos econômicos".

Vamos lá. As palavras fazem sentido. O "não seremos mais socialistas" faz supor que já fomos socialistas algum dia, o que está para ser demonstrado. Se, por "socialismo", entender-se a chegada ao poder de um partido com viés de esquerda, a gente nota que o deputado não só é capaz de antever o futuro como pode oferecer "garantias"… Imaginem um partidário de Donald Trump a dizer nos EUA: "Garanto que os democratas jamais voltarão ao poder…"

Quanto à fórmula "liberal em economia, conservador nos costumes", dizer o quê? O "liberal em economia" vai depender, sim, em boa parte de medidas a serem adotadas pelo governo. É Eduardo quem flerta com a não-reforma da Previdência. Quanto ao conservadorismo, bem, aí voltamos ao centro da grande distorção conceitual em curso no Brasil. Um conservador é aquele que conserva o molde institucional e aceita as mudanças na sociedade. Forças que tentam impor seu estilo de vida a minorias que considera "erradas" ou em desacordo com "costumes tradicionais" não são conservadoras, mas reacionárias. E o caso do tal movimento "Escola Sem Partido": querer levar a polícia ideológica para sala de aula nada tem nem de liberal nem de conservador. Trata-se apenas de autoritarismo destrambelhado, de reacionarismo.

Vale dizer: como pensador político, Eduardo Bolsonaro ainda precisa digerir melhor alguns conceitos e está comprando algumas bugigangas ideológicas que lhe estão sendo vendidas por ideólogos identificados não com o liberalismo, mas com a extrema-direita reacionária.

No que concerne à economia, um liberal de verdade estaria empenhado, a esta altura, não em hostilizar a política, mas em compor uma maioria no Congresso que pudesse, de fato, levar adiante a reforma da Previdência. Em vez disso, o deputado mais votado do país, falando com a delegação do país, volta a flertar com a possibilidade de não votar a reforma da Previdência.

No fim das contas, parece não achar isso assim tão grave, desde que o país possa fazer parte de uma suposta revolução conservadora, que estaria em curso mundo afora e desde que possa "garantir" que o Brasil não será nunca mais socialista, como se tivesse sido algum dia. Ou por outra: esses pressupostos estão ligados àquilo que seria uma guerra cultural contra as esquerdas, como se, agora, a Bolsonaro não coubesse a enorme responsabilidade de governar e como se o país tivesse uma saída não-traumática sem a reforma da Previdência.

Não duvidem: esse espírito colonizador de mentes, disposto a uma permanente guerra cultural contra uma esquerda que terá meros 148 representantes na Câmara e 19 no Senado é que pode levar o governo Bolsonaro ao naufrágio.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.