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Reinaldo Azevedo

O brasileiro é a carne mais barata que Joesley já comprou e já vendeu

Reinaldo Azevedo

31/05/2017 05h46

("O Triunfo da Morte", de Bruegel, o Velho. Os canalhas massacram também as esperanças dos brasileiros / Imagem: Reprodução)

O melhor negócio dos irmãos Joesley e Wesley Batista não é boi.

O melhor negócio dos irmãos Joesley e Wesley Batista não é o frango.

O melhor negócio dos irmãos Joesley e Wesley Batista não é o porco.

O melhor negócio dos irmãos Joesley e Wesley Batista é gente.

Eles se mostraram insuperáveis, de verdade, foi na arte de comprar e vender consciências.

E, como resta claro, podem fazê-lo sem pestanejar, sem dor na consciência, sem remorso.

A técnica de abate, hoje em dia, foi, vá lá o termo meio impróprio, humanizada. Procura-se impingir aos animais o menor sofrimento possível. E é o moralmente correto. Deve ser assim também entre as empresas que levam as marcas que estão sob o guarda-chuva da JBS. Essa é uma atividade cada vez mais limpa.

Mas não existe como tornar aceitável o abate da decência, da moralidade, da vergonha na cara.

No fim das contas, a carne mais barata que a dupla vendeu é mesmo a dos brasileiros pobres.

Explico por que isso tudo.

Leniência

A J&F, dona da JBS, fechou seu acordo de leniência com o Ministério Público do Distrito Federal. A empresa terá, ora vejam!, 25 anos para pagar uma multa de R$ 10,3 bilhões, com correção anual pelo IPCA. Desse total, R$ 2,3 bilhões serão convertidos em projetos sociais. Os outros R$ 8 bilhões serão assim distribuídos: Funcef (25%), Petros (25%), BNDES (25%), União (12,5%), FGTS (6,25) e Caixa Econômica Federal (6,25%).

E cessam os sortilégios da dupla. Parece muito dinheiro, leitor amigo? Isso corresponde a meros 5,62% do faturamento da empresa em 2016, já livre dos impostos. O percentual obedece ao padrão das outras negociações. Sim, com efeito, em valores absolutos, a multa supera a da Odebrecht: R$ 6,8 bilhões em 23 anos.

Lembrem-se, no entanto, do tratamento que foi dispensado a Marcelo Odebrecht e do modo como os Batistas saíram dessa história, sem precisar nem mais dar as caras no Brasil. Mais ainda: a Odebrecht sente na carne o peso dos seus erros. A J&F ainda acaba ganhando o prêmio de Empresa Padrão de alguma nefelibata do bom senso. É bem provável que as ações subam na Bolsa.

O problema é outro

É claro que estamos falando de valores estratosféricos. É claro que, em números absolutos, trata-se de uma multa considerável, apesar do prazo alargado. O que contamina esse acordo, vamos ser claros, são os benefícios da delação premiada indecorosa com que os comandantes da J&F foram contemplados. O que é intolerável é saber que, ao arrepio da lei, os Batistas conseguiram sair livres, leves e soltos.

Ao arrepio da lei? É, sim!

O Parágrafo 4º do Artigo 4º da Lei 12.850, que trata das delações, deixa claro:

Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador:
I – não for o líder da organização criminosa;
II – for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.

Você não fica feliz ao saber que Joesley e Wesley foram considerados "não líderes" da organização e que, a juízo do Ministério Público Federal, eles teriam ajudado a desbaratar a dita-cuja. Já imaginaram? Os comandantes do grupo que fechou o maior acordo de leniência da história são, coitadinhos!, vítimas disso tudo.

Mais: eles também receberam os privilégios de "primeiros a prestar efetiva colaboração"! É mesmo? Então eis aí a evidência de que não se tratava mesmo de petrolão. De sorte que o ministro Edson Fachin exerceu, então, o papel de usurpador.

Os acordos de leniência são regulados pela lei 12.846. O Inciso I do Artigo 6º estabelece o valor da multa, a saber:

"multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação;"

Assim, fique sabendo: a multa poderia ser quase o quadruplo. No que concerne a esse critério, pois, o MPF não considerou o que fez a J&F o extremo da gravidade. Afinal, a punição corresponde a apenas 28,1% do que poderia ser.

Brasileiro, a carne mais barata

Começo este texto afirmando que o negócio mais bem-sucedido de Joesley e Wesley está mesmo na compra e venda de homens. Também sustento que a carne que eles verdadeiramente puseram em liquidação é a do brasileiro pobre.

Querem ver? Eles só ganharam aquele presentão de Rodrigo Janot porque armaram para, digamos, entregar Michel Temer, presidente da República, e Aécio Neves, presidente do partido que liderou a oposição ao regime petista.

Hoje, o destino das reformas é incerto. É provável que saiam bem menores do que poderiam. Há, sim, a possibilidade de Temer não concluir o mandato. Os indicadores econômicos já começam a refletir essa incerteza. Gosto de fazer contas. Gosto que se façam contas.

A multa e o PIB

O PIB brasileiro de 2016 ficou em R$ 6,266 trilhões. Atenção! Tomando esses valores como referência, se essa turbulência nos custasse um crescimento apenas 0,1% menor do que o projetado, estaríamos falando em R$ 6,266 bilhões!!! E isso num único ano, não em 25! Mas fiquem certos: custará bem mais do que isso.

Querem mais um pouco? Cada ponto de queda na taxa de juros corresponde a uma economia de R$ 26 bilhões em 12 meses. Se a patuscada criminosa de Joesley, com o beneplácito do procurador-geral da República e do Ministro Edson Fachin, implicar uma redução da taxa menor do que a esperada — de 0,25 ponto que seja —, já estaremos falando de R$ 6,5 bilhões.

Encerro

A Lava Jato prova que, no caso de Joesley, Wesley e companhia, o crime compensa largamente. Os únicos que se ferram são os brasileiros, a carne mais barata que essa turma já comprou, já fatiou e já vendeu.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.