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Reinaldo Azevedo

O Brexit virou vitrine de antiglobalistas; não há saída virtuosa para o Reino Unido. Tenho uma ideia: uma palestra de Ernesto Araújo

Reinaldo Azevedo

16/01/2019 04h00

Theresa May, primeira-ministra do Reino Unido: sofreu derrota acachapante. Mas quem é mesmo que está perdendo?

Faltou ao Reino Unido a sabedoria de Marco Maciel ao interpretar o Conselheiro Acácio, o rei do óbvio: "As consequências vêm depois". Nesta terça, o país viveu aquela sensação ruim de quem tenta acordar de um pesadelo, mas não é bem-sucedido porque pesadelo não é. Quando o Parlamento aceitou a consulta popular para saber se o Reino Unido deveria ou não permanecer na União Europeia, entregava-se ao indeterminado em tempos em que tudo, muito especialmente o pior, pode acontecer. E aconteceu. A maioria optou pelo desligamento, o chamado "Brexit", contra o qual o governo de David Cameron apostou todas as suas fichas. Ele caiu, e Theresa May se tornou a primeira-ministra, no dia 13 de julho de 2016, justamente para conduzir o desligamento. Nota: ela também votou contra.

Nesta terça, o plano que ela negociou com a União Europeia sofreu uma derrota esmagadora no Parlamento: 432 a 202. Mundo afora, considera-se que o ponto fulcral da discórdia está no que fazer com as duas Irlandas, a do Norte, que integra o Reino Unido, e a República da Irlanda, que é independente e permanecerá na UE. A questão teve seu peso? Sim. Em 1998, celebrou-se a pax entre a minoria católica e a maioria protestante na Irlanda do Norte, depois de um conflito sangrento que durou 40 anos. Como parte do acordo, desapareceram os controles de fronteira entre os dois países.

Mas o que fazer se o Reino Unido cair fora da União Europeia? May negociou um acordo que prevê uma união aduaneira com a Europa, ainda que temporária, para evitar que se voltem a levantar barreiras físicas entre as duas Irlandas. Parte dos que votaram contra o acordo proposto pela primeira-ministra é mesmo constituída de fanáticos do Brexit. Para eles, trata-se de um truque para tornar o rompimento sem efeito. Mas quem acompanha o debate do detalhe aposta que muitos parlamentares usaram a questão irlandesa como pretexto. O ponto: hoje, a maioria do Parlamento gostaria mesmo é que se realizasse uma nova consulta popular. A expectativa é que o Brexit, agora que se conhecem as consequências possíveis, seria derrotado.

O impasse é gigantesco. o líder da oposição Jeremy Corbyn, do Partido Trabalhista, apresentou uma moção de desconfiança. Para ele, a primeira-ministra não tem condições de manter o comando do Reino Unido. A questão é saber quem tem. A avaliação é que a moção será derrotada. Em seu discurso, May afirmou que o Parlamento disse o que não quer, mas não disse o que quer. O prazo para que se efetive a saída é 29 de março. Em tese, poderia ocorrer um desligamento sem acordo nenhum — e isso quer dizer sem nenhuma transição. A análise dos mercados é que a opção seria sinônimo de caos e de desastre econômico. Fala-se, claro!, na convocação de uma segunda consulta popular, mas os caminhos legais que a tanto conduziriam também não estão claros. A verdade é que ninguém sabe o que fazer.

A União Europeia é uma das bestas-feras dos chamados antiglobalistas, seita a que se filiam, por exemplo, o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, e parte considerável do governo Bolsonaro, incluindo o próprio presidente. A peça de resistência da campanha consistiu em acusar a legislação transnacional da UE de sufocar os valores profundos da população do Reino Unido. Quais? Isso não era dito. A maioria se convenceu de que tinha de "mudar isso daí". E o Brexit venceu. As consequências viriam, e já chegaram, depois.

E agora?

Arron Banks, o falastrão que se tornou a voz mais estridente do Brexit, sumiu do noticiário.

Tenho uma ideia: May deve contratar uma palestra de Araújo. Que ele fale aos parlamentares britânicos. Síntese: "Conhecereis a verdade, e ela vos libertará da União Europeia"…

Que tal?

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.