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Reinaldo Azevedo

O molestamento de autoridades em locais públicos pode ser véspera de tiro. Imprensa tem de parar de estimular a delinquência

Reinaldo Azevedo

29/03/2018 07h01

O molestamento de rua, amigo, pode ser a véspera do tiro.

O que quero dizer? Explico.

Os setores profissionais da imprensa cometem um erro grave quando dão ampla divulgação a vídeos gravados em ambientes públicos, em que autoridades e políticos — pouco importando o motivo o matiz ideológico — são assediados por críticos, que editam como querem o que filmam e depois lançam a sua obra nas redes sociais, numa clara violação do Inciso X do Artigo 5º da Constituição, um fundamento tão inviolável e tão importante como a liberdade de expressão, garantida, diga-se, no mesmo artigo. Lá se lê:
"X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

"Ah, Reinaldo, os políticos e assemelhado estão mesmo expostos e têm de encarar as consequências da opção que fizeram". Errado!

Uma coisa é flagrar uma pessoa que exerce uma função pública a cometer uma irregularidade: outra, distinta, é agredi-la moralmente ou tentar submetê-la a um constrangimento porque tomou uma decisão da qual o molestador discorda. Aí não dá.

O ministro Gilmar Mendes foi, mais uma vez, vítima de tal prática em Portugal. A pessoa que fez a filmagem, recheada de ataques verbais, acabou dando uma de Joesley do vídeo e gravou a si mesmo. A segurança do STF vai acionar a representação da Polícia Federal naquele país para que investigue o caso.

Lamento e lastimo que setores profissionalizados da imprensa se confundam, às vezes, com pistoleiros e pistoleiras que atuam nas redes sociais e em áreas do subjornalismo, que renunciaram a qualquer compromisso com a objetividade, a legalidade e a institucionalidade.

A cada vez que faz o serviço sujo — que é divulgar a agressão a um princípio constitucional — estimula a que outros façam o mesmo. A ser assim, os 11 ministros do Supremo, por exemplo, teriam de realizar o impossível: fazer a vontade dos 204 milhões de brasileiros. Pois é… Nem sempre um ministro do STF faz o que maioria acha o melhor. Com alguma frequência, a Corte só exerce a função que lhe cabe se for contramajoritária. Assim é no mundo inteiro.

Jamais estimulei esse tipo de comportamento. Ninguém vai encontrar um texto meu ou uma afirmação minha endossando o que considero uma agressão constitucional.

Nos dias que correm, quem estimulou esse comportamento delinquente foi a tal "Mídia Ninja", grupo que servia de esbirro do PT. Aqueles que a turma queria demonizar eram filmados à sua revelia e depois ridicularizados. A direita e os "cidadãos indignados" resolveram aderir aos mesmos métodos, aí tendo esquerdistas como alvos e aqueles que os "vídeo makers" amadores consideram contrariar os seus desejos e as suas expectativas.

Sim, há uma diferença entre sacar um celular do bolso e sacar uma arma. As consequências podem ser tragicamente distintas, e eu não ignoro as distinções. Mas um mesmo impulso está na raiz das duas atitudes: "como eu estou insatisfeito com o que o outro fez e como eu o considero culpado disso e daquilo, então resolvo fazer justiça com as próprias mãos".

Hoje é um vídeo feito à revelia. Amanha, um doido de outra espécie pode decidir ser um protagonista ainda mais ativo de suas próprias vontades.

É muito impressionante que os mesmos que fazem alarde sobre as ameaças de morte que o ministro Edson Fachin teria sofrido — e, convenha, para fazer uma ameaça anônima, basta ter um computador — vejam com satisfação o molestamento público.

Que a Constituição, a democracia e a civilidade não sejam valores para pistoleiros, ok. Que jornalistas, que devem ter um compromisso com a institucionalidade, façam o mesmo, aí não dá.

Cedo ou tarde o "direito à intimidade" terá de ser regulamentado por lei. Com a aplicação de uma pena para quem não sabe a diferença entre agressão e liberdade de expressão. A própria imprensa anda a confundir as duas coisas.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.