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Reinaldo Azevedo

O PACOTE DE MORO 1: Ele diz hoje, não antes, a coisa certa sobre caixa dois e corrupção. Mas, de fato, é contraditório

Reinaldo Azevedo

20/02/2019 04h15

Sérgio Moro (esq.) entrega seu projeto a Rodrigo Maia , presidente da Câmara: há coisas perigosas ali

Leiam uma fala do então juiz Sérgio Moro:
"Tem de se falar a verdade, né? Caixa dois em eleições é trapaça; é crime contra a democracia. É algo assim… Alguns desses processos me causam espécie quando alguns sugerem fazer uma distinção entre a corrupção para fins de enriquecimento ilícito, e a corrupção para fins de financiamento ilícito de campanha eleitoral. Corrupção para financiamento ilícito de campanha eleitoral é pior".

https://www.youtube.com/watch?v=G-Y_aLnBQVo&feature=youtu.be

Agora leiam a fala do ministro da Justiça, Sérgio Moro:
"Caixa 2 não é corrupção. Existe o crime de corrupção e o crime de caixa dois. Os dois crimes são graves".

https://www.youtube.com/watch?v=ACxl_0iqeSo&feature=youtu.be

É claro que o juiz diz uma coisa e o ministro diz outra. E o doutor está sendo criticado por isso. E, ora vejam, está apanhando, a meu ver, pela causa errada. Por que digo isso? Porque, com efeito, trata-se de práticas distintas mesmo. Ele sabia disso desde quando era juiz. Mas a Lava Jato precisava sustentar a tese de que não existe caixa dois sem corrupção. Aliás, foi esse um dos esteios da operação. Um empresário que fizesse uma doação por fora a um candidato de oposição por receio de retaliação do mandatário da hora, não importa a esfera, estaria praticando corrupção? Em qual modalidade? Infelizmente, a esmagadora maioria da imprensa comprou a tese furada. Sem ela, a Lava Jato não teria feito o estrago que fez.

Com todas as letras: Sérgio Moro estava errado antes, não agora. Mas decepcionou muita gente. Até porque, vê-se, o homem, com efeito, diz coisas opostas a depender do lado que esteja do balcão.

O seu projeto contra a corrupção e o crime foi dividido em três. Jair Bolsonaro os assinou, e o ministro os levou à Câmara, acompanhado de Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil.
– Um projeto de lei muda o Artigo 350 do Código Eleitoral e criminaliza o caixa dois (Íntegra aqui);
– Um projeto de Lei Complementar altera competências da Justiça eleitoral (Íntegra aqui);
– Um projeto-ônibus trata de todas as outras mudanças, entre elas: execução da penas depois de condenação em segunda instância ou de condenação pelo tribunal do júri; mudança no regime de cumprimento de pena para crimes graves ou de corrupção, instituição do sistema de barganha e novo entendimento sobre a legítima defesa e a ação policial (Íntegra aqui).

Vamos lá. Como a chamada criminalização do caixa dois está em projeto específico, entendeu-se que o governo fez o fatiamento para facilitar a aprovação, e que esse item pode ficar para as calendas. E foi o próprio Moro, numa fala desastrada, a dar a entender tal coisa. Disse ele:
"Houve reclamações por parte de agentes políticos de que o caixa 2 é um crime grave, mas não tem a mesma gravidade que corrupção, que crime organizado e crimes violentos. Então, acabamos optando por colocar a criminalização num projeto à parte, que está sendo encaminhado neste momento. Foi o governo ouvindo as reclamações razoáveis dos parlamentares quanto a esse ponto e simplesmente adotando uma estratégia diferente. Mas os projetos serão apresentados ao mesmo tempo".

Reitero: eu também não acho que sejam coisas idênticas. Mas Moro poderia dizer, então, quais parlamentares fizeram a pressão. Assim como ele diz, não vale. Porque, não sei se notaram, o ônus ficou todo para os políticos, como se estes estivessem interessados, então, em pegar leve com o caixa dois. "Ah, Reinaldo, mas admita que os senhores políticos podem aprovar os outros dois projetos e deixar esse de lado". É verdade! Mas serão menos patrulhados se o fizerem? Acho que não.

No fim das contas, esse debate é irrelevante, uma vez que o projeto está lá. Ademais, um texto raramente é aprovado na íntegra, e acaba recebendo emendas e passando por mudanças. É por isso que segue para o Congresso. O ponto não está no fatiamento, mas no reconhecimento, por parte do ministro, de que caixa dois e corrupção são coisas distintas. E nem uma coisa nem outra são bonitas.
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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.