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Reinaldo Azevedo

O PACOTE DE MORO 2: Grave no texto é a licença para matar. Moro acerta quando nega Moro e erra quando endossa Moro...

Reinaldo Azevedo

20/02/2019 03h59

Imagem de Moro está sobreposta à foto de autoria de Pilar Olivares, da Reuters. O sangue se espalha no chão da casa em que 15 pessoas foram mortas pela Polícia. Do modo como ministro quer o Código Penal, isso pode virar só uma rotina aborrecida

A reação, inclusive da imprensa, ao fatiamento do projeto de Sérgio Moro contra a corrupção e o crime mostra que, infelizmente, o país continua refém do samba de uma nota só. Reitere-se: a punição ao caixa dois está lá, em projeto próprio. Diria até que fica mais fácil saber quem vota contra e quem vota a favor. Não fosse o ministro ser obrigado a corrigir uma distorção anterior de seu pensamento, e isso nem estaria em debate.

Há muita coisa ruim no pacote de Sérgio Moro que nada tem a ver com a corrupção. Ele tenta, por exemplo, na prática, mudar a Constituição por meio de projeto de lei ao tratar da execução da pena depois da condenação em segunda instância. É matéria que está em debate no Supremo. A tal barganha — que prevê redução ou até extinção da pena caso o réu admita a culpa — pode vir para desafogar o Judiciário, mas tem potencial para ser uma máquina de coação e de injustiças contra os humildes. Precisa ser bem pensada.

Mas nada é tão nefasto, no conjunto da obra, com as alterações que propõe nos Artigos 23 e 25 do Código Penal. O primeiro trata da legítima defesa. Moro quer acrescentar a ele um trecho tóxico, a saber:
"O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção."

Alguém, sob o pretexto de se defender, poderia cometer qualquer excesso, sem consequência, desde que alegasse "escusável medo, surpresa ou violenta emoção".

Ao Artigo 25, que define o que é "legítima defesa", ele acrescenta dois incisos. Também praticaria legítima defesa:
I – o agente policial ou de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem; e
II – o agente policial ou de segurança pública que previne agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes
."

Não é preciso ser um leitor muito sagaz para perceber que o texto autoriza a morte preventiva.

Esses são os aspectos mais graves do pacote do ministro. A conversa de que ele estaria flertando com o caixa dois ou a corrupção ao fatiar o texto é ainda resquício de uma mentira e de uma fantasia que a Lava Jato plantou. Moro acerta quando desmente Moro. Ele só erra quando referenda Moro.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.