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Reinaldo Azevedo

ONG fundada por Damares, a famosa ministra “Quem?”, fez um falso documentário em liga a infanticídio tribo que não adota tal prática

Reinaldo Azevedo

07/12/2018 16h02

Home do site da ONG Atini, om imagem retirada por decisão judicial (reprodução)

Damares Aves, a famosa "Quem?" que era assessora do senador Magno Malta (PR-ES) e foi indicada por Jair Bolsonaro ministra das Mulheres, Família e Direitos Humanos tem uma militância aguerrida também na área indígena — e, por isso, o presidente eleito deve ter subordinado a Funai à pasta que ela vai comandar. A futura ministra é uma das fundadoras da ONG Atini, que atua no combate ao infanticídio indígena, pratica que ainda subsiste em certas comunidades. Até aí, vá lá… Atuasse a entidade em parceria com a Funai, abrir-se-ia um território para o debate até salutar. Desde, é claro, que a Atini não tentasse substituir os dogmas religiosos dos índios pelos seus próprios. E que não houvesse fraude na tentativa de defender uma tese. Mas não é o caso. Leiam trechos de reportagem de O Globo.
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Em um dos casos, em Volta Redonda, a Atini responde [a ação movida pelo MPF] por ter retirado uma adolescente do povo Sateré-Mawé invocando motivos humanitários. A adolescente alegou que estaria sofrendo ameaças e procurou a entidade para deixar a tribo. Foi levada para Brasília e ao Rio de Janeiro. Após a jovem dar à luz, contudo, a entidade afirmou que a mãe não teria condições de cuidar do bebê e, segundo o MPF, atuou para que a criança fosse adotada por um casal de Volta Redonda ligado à entidade.

Na Justiça Federal de Rondônia, a Atini é alvo de um processo sobre a veiculação de um documentário sobre infanticídio indígena em que são mostradas crianças do povo Karitiana, tribo que não pratica o infanticídio. A entidade já foi obrigada a tirar o vídeo no ar, a pedido do MPF do Distrito Federal. A ação, porém, fazia referência a todos os povos indígenas, e não só os Karitiana.
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De acordo com depoimento prestado pelo indígena Cizino Dantas Morais Karitiana, missionários da Jocum, uma entidade da qual participam integrantes da Atini, teriam solicitado autorização para que seus dois filhos, um deles deficiente, fossem fotografados e participassem de um teatro em Porto Velho. Contudo, segundo o procurador Daniel Lobo, apesar do motivo inicialmente informado, as crianças participaram, como atores, da produção de um filme documentário.

"Como se não bastasse o vício do consentimento e a consequente violação ao direito de imagem, durante as filmagens do vídeo, simulou-se a morte e o enterro de uma criança especial, Agnaldo Karitiana (no "documentário" atuou com irmão mais novo de Hakani), o colocando diretamente em uma cova rasa e cobrindo-o com 'terra"', afirma o procurador, no processo.
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No laudo antropológico produzido pelo Ministério Público, há indícios de que a utilização das crianças Karitiana no vídeo também fere a cosmologia da tribo, que possui regras como a preparação do de cujus (colar com dente de onça que possui um significado especial) e o enterro, nunca em contato com a terra, mas em sua rede envolta em madeira. Na visão Karitiana, o corpo não poderia entrar em contato com a terra, por esta ter força e o poder de subtrair a alma. Ao enterrar vivo a criança, afirma o Ministério Público Federal, a criança perdeu a alma, o que significa adoecer e morrer.

"Desde então, os Karitiana acreditam, também, que a comunidade está em desgraça, e que, por isso, a mãe de Agnaldo e outros parentes próximos morreram e Agnaldo vive constantemente doente", continua o procurador. "A participação dessas crianças, bem como sua ampla divulgação do material com pretenso conteúdo (des)informativo, consubstanciaram uma série de atos ilícitos que violaram a imagem, honra e cultura desse povo", afirmou o Ministério Público Federal.
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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.