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Reinaldo Azevedo

Para Merkel, Bolsonaro torna mais difícil um acordo entre União Europeia e Mercosul; todo cuidado é pouco. E, parece, vem o descuidado

Reinaldo Azevedo

12/12/2018 17h15

Leiam o que informa a Folha. Volto em seguida.

O tempo está se esgotando para um acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, disse a chanceler alemã, Angela Merkel, nesta quarta-feira (12), afirmando a parlamentares que o novo governo brasileiro do presidente eleito Jair Bolsonaro tornará o tratado mais difícil de ser alcançado. Bolsonaro já disse ser mais favorável a negociações bilaterais do que a engajamentos em grupos multilaterais, como no caso do Mercosul. A tentativa de acordo está praticamente parada desde dezembro de 2017, quando chegou no ponto mais perto de um pacto nos últimos anos.

O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, disse nesta quarta que o Mercosul está pronto para fechar um acordo comercial com a União Europeia, que só não foi acertado ainda porque os europeus não querem concordar. "O Mercosul e a União Europeia só não têm um acordo, não é porque o Mercosul não quis, é porque a União Europeia não quis", disse o ministro. "O Brasil flexibilizou o que podia flexibilizar […] Flexibilizamos até em detrimento do uns setores aqui internamente."
(…)

Comento
Temos acima um exemplo de como as coisas são complicadas no cenário internacional. O Mercosul tenta há quase 20 anos um acordo com a União Europeia. Não tem se mostrado possível. Os europeus querem que os países do Mercosul se abram mais às empresas de serviços e concessionárias de obras públicas; o Mercosul, o Brasil em particular, reivindica menos barreiras para o agronegócio.

Irlanda e França, por exemplo, enfrentam a pressão de seus produtores de carne — chegou-se a falar no fim de qualquer barreira. Em contrapartida, os europeus queriam o livre acesso à área de serviços. Não! As dificuldades não nasceram com a eleição de Bolsonaro. Elas apenas se adensaram. E por quê?

De fato, o Mercosul está longe de ser um exemplo bem-sucedido de bloco econômico na negociação com terceiros — embora o comércio entre os países do grupo seja substancial. Não fechou acordo com praticamente ninguém, exceção feita a Egito, Israel e Palestina. O acordo com a UE seria o primeiro realmente expressivo.

Notem: a dificuldade existe as coisas sendo como são, isto é, com o atual governo apostando na permanência do Mercosul. Ocorre que o futuro governo já deixou claro que o bloco econômico não é uma prioridade. E aí fica difícil estabelecer cláusulas de longo prazo se o país que representa 70% do Mercosul diz que o assunto não é prioridade.

Alguns dados extraídos da própria página do Mercosul ajudam a entender a questão:
"Os membros fundadores (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) abrangem, aproximadamente, 67% do território da América do Sul (11,9 milhões de km², equivalente a quase três vezes a área da União Europeia); 62,2% da população sul-americana (262,2 milhões de habitantes, isto é, 3,5% da população mundial) e 75,1% do PIB da América do Sul em 2017 (US$ 2,78 trilhões de um total de US$ US$ 3,7 trilhões, segundo dados do Fundo Monetário Internacional). O MERCOSUL representa o 5º maior PIB mundial (US$ 2,78 trilhões em 2017, à frente de Reino Unido, US$ 2,62 trilhões, e da Índia, US$ 2,61 trilhões).

Pois bem, meus caros: dos quase 12 milhões de Km², mais de 8 milhões pertencem ao Brasil, que tem US$ 2,02 trilhões do PIB de US$ de US$ 2,78 trilhões e 210 milhões do total de 262 milhões.

O bloco constitui o quinto PIB no mundo, mas, em 2016, recebeu apenas 3,7% dos investimentos mundiais. Algo está, com efeito, profundamente errado nesse troço. Uma coisa, no entanto, é certa: a questão tem de ser tratada com cuidado, não no joelho.

Um alerta: entre os governantes europeus, Merkel é a segunda a associar a eleição de Bolsonaro a dificuldades econômicas. Antes dela, houve Emannuel Macron — no caso, associando a questão à hostilidade do governo eleito com o Acordo de Paris.

Está aí uma área em que todo cuidado é pouco. E, por enquanto, é justamente para as Relações Exteriores que Bolsonaro indicou o ministro mais idiossincrático, capaz de dizer coisas assombrosas: Ernesto Araújo.

Vamos ver no que vai dar. Se ele seguir na toada em que começou, o desastre é certo.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.