PT, reacionário em economia, posa de libertário nos costumes e se contrapõe às Mamães Gansas do falso liberalismo
PT que beija na boca: partido resolveu entrar no jogo da clivagem dos costumes (Foto: Jorge Araújo/Folhapress)
Na minha coluna da Folha desta sexta, afirmo que os adversários do PT que aderiram estupidamente ao discurso contra a política e os políticos não se deram conta de que o Brasil já tem um outsider por excelência: Lula. Não reconhecê-lo é uma estupidez. Quando se decretou que todos os políticos eram iguais e ruins, parte considerável da população concluiu: "Se é assim, Lula é melhor…" Eis aí.
Nesta quinta, em São Paulo, um evento aparentemente sem importância evidencia que o PT está recuperando a sua antiga capacidade de ler o jogo — que chegou ao colapso no governo Dilma. A que me refiro? Dois bailarinos, numa performance, praticamente aos pés de Lula, beijavam-se na boca e davam cambalhotas. Lula se manifestou a respeito: "Tem gente que pode ter ficado horrorizada com a performance, eu achei inusitado".
Segundo informa a Folha, as cantoras trans do grupo As Bahias e a Cozinha Mineira bradaram: "Viva as travestis! Viva as mulheres negras!". E cantaram "Velha Roupa Colorida", em companhia de Ana Cañas. Os presentes entenderam que o verso "uma nova mudança que em breve vai acontecer" é sinônimo, adivinhem!, da… eleição de Lula!
Homens se beijando na boca, vivas a travestis, palavras de ordem contra o golpe… Se a direita circense resolveu que a clivagem se dará na esfera dos costumes, os petistas toparam a brincadeira e decidiram, deixem-me ver, posar de "esquerda libertária". Aí as almas simples podem dizer: "Ah, Reinaldo, a esmagadora maioria do povo tem uma moralidade sexual mais próxima da dos deputados Jair Bolsonaro e Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ)" — aquele que, tal qual uma Gleisi Hoffmann de Bíblia na mão, chegou a prever cadáveres em exposições de arte se o governo federal não exercitasse poderes censórios que a Constituição não lhe faculta. Nota à margem: alguns duros críticos de Gleisi aplaudiram Sóstenes. "E você, Renaldo?" Critiquei duramente os dois. Quem apela a cadáveres para argumentar apanha neste blog. Mas volto ao ponto.
Essa moralidade alternativa, de exceção, minoritária — cada uma chame como quiser — está, com efeito, distante dos valores da maioria. Numa primeira mirada, um ato como o que se viu nesta quinta seria um tiro no pé… Besteira! O PT não estava propondo, no encontro desta quinta, uma nova moral sexual. O mais reacionário dos grandes partidos quando o assunto é economia e organização do Estado posa de inclusivo e libertário: abraça, não discrimina; aceita, não aponta o dedo acusador; inclui, não cria pechas. Ou, como me disse o tal dirigente petista, "temos de deixar claro que o discurso do ódio é coisa do outro lado". Dizer o quê? Não faz tempo, vozes supostamente liberais em economia resolveram brincar de Mamãe Gansa da moral privada…
Você não quer que o PT volte ao poder? Eu também não! Mas eles começaram a ganhar o jogo. Ou melhor: os conservadores se perderam na sua tacanhice teórica. Acham que vence a batalha quem ganha mais "likes" entre os já convertidos…
